15 maio, 2012

Trechos de "Opções"

"Último dia do ano, e minha realidade é a solidão." -~- -~- -~- "Sorrio e lembro-me de como punha para dormir, quando era pequena, todos os meus bichos de brinquedo. E zarpávamos juntos, ao encontro de papai, no céu. Que maravilhosas viagens fazíamos! Algumas vezes, ainda tiro um ou outro desses animais das velhas e poeirentas caixas de papelão em que vivem. Observo seus olhos de vidro, as orelhas rasgadas, e fico imaginando se a menininha que eu fui ainda pode ser encontrada em alguma parte, entranhada neles como um perfume, a lembraça de um toque." -~- -~- -~- "Minha vida permitia opções mas, com frequência, vivia como se elas não existissem. O triste resultado de não ter exercido meu poder de opção foi que minha lembrança de mim mesma não é a da mulher que acredito ser. Algumas coisas são inalteráveis: Nasci. Sou parte das marés do oceano. E, no final, minha onda, como todas as outras, vai quebrar-se nos rochedos. Isto é eterno. Mas, dentro desse quadro, tenho opções e sou vista pela maneira como as faço, ou deixo de fazê-las." -~- -~- -~- "Muitas vezes, queria poder começar de novo, tornar a ser criança e reviver quem eu era entãoe quem eu queria ser. Muitas vezes, queria redescobrir dentro de mim a menina inocente e sábia que fui, antes de me ensinarem o que é a vida. Em busca de minha inocência perdida, saí por uma porta. Naquele tempo, acreditava que perseguia um objetivo, mas descobri, em vez disso, o significado da opção. Não sabia que, ao sair pela porta, parte da minha jornada já fora cumprida." -~- -~- -~- "Esse homem adorável pega em minha mão e me olha, encorajadoramente. Canto. Diante dos meus olhos, ele envelhece vinte anos." -~- -~- -~- "- Você é complicada demais - disse a voz dele, misturada com música e o riso de pessoas. Já era sexta de manhã e eu sabia que tinha diante de mim um daqueles intermináveis e sombrios fins de semana. Olhei para o espelho e vi esta mulher de meia-idade que não pára de invadir meu rosto. E estava mais presente que de costume. A percepção que tenho de mim mesma não corresponde ao que vejo nos espelhos. [...] Fui para a cama ao amanhecer e uma agitada menina de treze anos me acordou. - Por que papai sempre me chama de linnzinha? - Ah, porque nós, pais, não vemos apenas sua imagem de treze anos - disse-lhe - Vemos, também, tudo que você foi antes. Os outros a vêem como você é hoje mas, para nós, você é também as lembranças suas que temos e, dentro de alguns anos, também as deste ano de sua vida. Cada vez mais, as recordações se parecerão com o que você, finalmente, se tornará. Embora nunca vá ser mais definitiva que hoje. A vida apenas acrescentará experiência e modificará seu corpo e seu rosto. - Sempre tem que dar essas respostas tão compridas? - perguntou, enquanto adormecia em minha casa." -~- -~- -~- "Algumas vezes, o mundo escuta; algumas vezes, o mundo compreende. Mas, muitas vezes, o mundo encara com indiferença uma manifestação como esta." -~- -~- -~- "Uma velha balançando-se para a frente e para trás, em sua cama. Todos os seus pertences e mais duas pessoas, com os pertences dela, estão amontoados junto a seu corpo, na mesma cama. Essa é a vida dela: uma velhinha sentada, balançando-se numa cama, numa terra estrangeira, sem falar sua língua, apenas sonhando com o dia em que tudo será diferente." -~- -~- -~- "No meio do campo de refugiados existe um abrigo para leprosos, que são atendidos por enfermeiras com longos vestidos cinzentos a farfalharem no calor. Lá dentro, paro diante de uma mulher muito, muito velha, deitada sobre o colchão em posição fetal. Seus finos e doloridos gemidos são o único ruído na sala. Durante um longo tempo, apenas fico ali em pé, a olhá-la, inerme, com os braços caídos. Uma enfermeira de passagem me dá uma palmadinha no ombro e faz um aceno de cabeça em direção à mulher, que não tem dedos nas mãos nem nos pés e está com a metade do rosto devorado. Lentamente, eu me abaixo. Braços longos envolvem a mulher, minha avó de doce lembrança. Suavemente, eu a acaricio. Cuidadosamente, eu a embalo. Cabelo grisalho numa longa trança. Ombros magros. Ah, vovó, lembro-me do contato de seus braços em torno de mim, do cheiro de sua pele. No momento em que a toco, a velha do Vietnam dá um pequeno suspiro de alívio. Como fazem os bebês quando choram, ao serem levantados e embalados ao colo. Doce senhora de terras distantes, sinto uma grande ternura. Um corpinho tão magro comprimido de encontro ao meu. Depois de um longo momento de paz, deito-a devagarinho na ama, outra vez. Ela me olha com medo e começa de novo a soluçar. Um pequeno animal ferido choraria assim." -~- -~- -~- "Essa é a história de Phorl. Tem treze anos. - Gostaria de voltar e limpar os templos. Sinto muita falta deles, assim como das montanhas perto de nossa vila. Claro que sinto falta, também, de meus pais, mas não sei se os encontrarei quando voltar. Os templos e as montanhas, com certeza, estarão lá. Mas papai e mamãe? Tenho dúvidas. Uma história que não menciona nome nenhum - porque a carta jamais foi terminada. "... tratamento muito doloroso por parte dos soldados de Pol... forçaram meus irmãos e irmãs e meus pais a trabalharem em seus campos de concentração... grande massacre... grande opressão... minha alma está solitária e desamparada... quando Pol Pot foi destruído voltei para procurar minha família... apenas algumas palavras dizendo que todos os seus membros haviam sido mortos... oito filhos, mãe, pai... ah, meu Deus... as lágrimas escorrendo... estou sozinho..." Ser transformado num estranho. Viver num solo onde não se pode plantar nenhuma raiz. Uma perda que jamais será reparada." -~- -~- -~- "Uma menina de cerca de seis anos, num campo enorme. Usa meu chapéu e carrega minha bolsa, segurando com força a minha mão, orgulhosa porque apenas ela, entre uma multidão de crianças, tem essa posição especial junto à visitante adulta. Mas, de repente, dá a outra criança meu chapéu, minha bolsa e minha mão, vira-se para um menino que chora, carrega-o e o conforta. Seu sorriso e seu cuidado para com outrem, mesmo num momento em que ela era especial, seu sentimento de responsabilidade em meio ao seu próprio privilégio... Se abrissem meu coração, encontrariam a doce lembrança de crianças que não são mais estranhas. Um menino cochicha: - Algumas vezes eu choro, mas só quando chove - assim, as outras crianças não percebem." -~- -~- -~- "A pergunta que deve ser feita não é: "Somos nós culpados pelo seu infortúnio?" Embora o espectador silencioso seja, com frequência, tão culpado quanto o agressor. Mas a culpa é uma prisão para as emoções e impede o processo de mudança e compromisso. A pergunta deve ser: que oportunidade de ajudar existe para aqueles, entre nós, que testemunham a calamidade?" -~- -~- -~- "Uma menina, num campo de refugiados, descobriu-me. E eu a descobri. Ela me mostrou como era sua vida. Agora, quero saber mais. Quero descobrir a vida que nos cabe a todos, como a usamose se existe alegria em vivê-la; e para que servimos, para que servem os amigos e o motivo de existirem pessoas solitárias. Quero descobrir a sensação da vida quando começa. Quero descobrir a sensação da vida quando se aproxima de seu fim inevitável. Quero descobrir por que queremos ser descobertos." -~- -~- -~- "Üm campo cheio de flores silvestres, um céu cheio de estrelas. A amplitude do primeiro me envolve, o mais suave dos perfumes me faz sorrir, enquanto volto meu rosto para o alto. Em silêncio, formulo um pedido: "Ah, fazei com que eu ame outra vez. Fazei com que eu seja amada." Segundo se diz, uma estrela cadente garante a realização de um desejo. Mas formulei dois." -~- -~- -~- "Minha mente está cheia de contos de fadas, com anões e duendes, gnomos e lendas. E a fantasia das histórias infantis invade apaixonadamente minha realidade. Quando eu era criança, uma árvore era aquele maravilhoso pontinho azul, com coisas vermelhas e amarelas em torno, que eu sabia pintar. E só depois que os adultos me disseram, repetidas vezes, que as árvores de verdade não se pareciam com as minhas, foi que examinei meus pontinhos e nunca mais pintei assim. Fantasia, Como preciso dela! Como sinto falta de minhas caixinhas, com sua mistura de cores, o cheiro de tinta e a sensação de dar um grossa pincelada vermelha num grande pedaço de papel em branco. Nos dias de realidade que agora vivo, sinto falta do fulgor da infância, quando tudo era possível." -~- -~- -~- "Ele apareceu num período de minha vida em que eu estava disposta a atravessar um vale caminhando sobre um arco-íris, a viver minha fantasia de amor, a acreditar em todos os meus sonhos e a me lançar pelo espaço, ao lado dos pássaros, abolindo todas as fronteiras." -~- -~- -~- "Depois de um momento, durante o qual nos observamos em silêncio. [...] Me pergunta se aceito tomar uma bebida com ele esta noite. Apenas durante uma hora. Em vez de dizer não, digo sim. Meu maquiador, que escuta a conversa, sorri. Brinco com ele, mais tarde, rindo: - Sabe, ele pode ser o homem da minha vida!" -~- -~- -~- .