04 fevereiro, 2015

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Aí quando acordei hoje, deu uma vontade doida de te ligar. Eu sei que não tem como, mas é teu aniversário e a saudade sempre vem diferente nesses dias, daí fiquei pensando

O que mais me doeu naquela época foi não ter dito em voz falada que eu sou gay, o que me fez retrair por tanto tempo foi muito mais que a dor da perda, foi saber que você tinha ido para não voltar antes que eu juntasse a força que precisava para confrontar todos os meus medos e lidar com uma possível rejeição. Improvável, mas possível. Passei horas pedindo desculpas pela falta de confiança, torcendo para que você onde estivesse, pudesse ouvir e entender. Decretei mentalmente para mim mesmo, no seu velório, que não esconderia de mais ninguém minha sexualidade, nunca mais sentiria essa angústia. E foi o que eu fiz, e foi difícil, muito difícil mesmo, sabe? Foi difícil ver no rosto o desprezo, doeu quando eu recebi ódio de quem esperava afeto e desmoronei quando colocaram palavras na sua boca, desabei quando me disseram que você nunca me aceitaria por ser gay. Acreditei fervorosamente naquelas palavras. Não rebati, não tinha voz, como poderia ter?  Afastei qualquer relação próxima que pudesse existir em âmbito familiar, dói tudo aqui dentro quando penso nessa distância que criei. Machuca ver quantas relações acabei prejudicando por uma rejeição paterna.
Precisei de tantos e tantos anos para compreender que eu nunca tive culpa. Não procuro explicações para o seu ódio repugnante, não me culpo por ter afastado tantas pessoas do meu círculo pessoal, não procuro respostas para o seu desprezo. Não me interesso em mais nenhuma dessas coisas por saber que todas tiveram origem no seu preconceito e na sua falta de sensibilidade e compaixão para com o seu próprio filho. Não
 só que decidi fazer nesse ano diferente e em vez de passar horas revirando fotografias antigas, quebrando a cabeça tentando lembrar alguma coisa banal pra acumular com as poucas outras que consegui recolher nesses quase-cinco-anos. Decidi que iria ficar na cama e pensar só nas coisas que me aconteceram após sua morte e

13 novembro, 2014

Essas baboseiras de sempre

1) Mas é que vez ou outra dá uma dor tão forte aqui por dentro, bem no meio do corpo, como se fosse o ponto central de todas as angústias que carrego comigo. É como se elas sempre estivessem ali, escondidinhas e em posição fetal, aí nessas horas elas decidem se desdobrar e esticar e dominar tudo que existe por dentro de mim. Bate um cansaço, uma desvontade de tudo ao redor e aquele sentimento já tão conhecido de que nada é válido. Aí me lembro daquele tempo que essa dor ainda era desconhecida, do tempo em que era inexistente para mim essa necessidade de ser só, porque eu sabia que não estava só, porque sempre que a solidão chegava, eu podia dar um jeito de modificar minha rotina e passar na tua casa, te dar um cheiro, receber seu carinho e mesmo sem que você soubesse, mesmo que eu nunca tenha te dito, era o carinho mais lindo de toda a vida e era recíproco. Hoje, quatro anos e mais um bocado de dias na conta do tempo que já passou, me vejo tão distinto de quando eu te tinha por perto. Não só me acostumei com o estar só, mas também me obriguei a estar só, me ensinei que estou só e afastei todos que tentaram não me deixar só por saber que uma hora me deixariam só. Não, eu sei que você não deve gostar dessa minha posição perante a vida, mas tenta entender, é o meu jeito de me manter forte, foi o único jeito que encontrei no meio de todo aquele inferno astral. Saudade é forte, a lágrima é constante (interna ou externa), o amor me restou apenas o próprio e de você só o quadro na parede mesmo.


2)E aí que as mãos de Josué começaram a tremer, ele repetiu mentalmente oito vezes que era só mais uma tremedeira, dessas que ele vez ou outra tem. E aí ele não conseguiu repetir a nona vez pois sua mente já estava fora de controle e pensando tantos absurdos – ele olhou pra mim, eu vi - e tantas loucuras – e se eu cruzar a perna, será que deixo de aparentar ser tão frágil? - ao ponto dele não conseguir se concentrar em apenas uma. E aí que ele percebeu que não era mais só sua mão que estava tremendo, mas também suas pernas e até mesmo o rosto – vou fingir que estou bocegando - e para que ninguém percebesse, ele fingiu estar com TOC – será que tô mexendo rápido o suficiente? Será que alguém vai perceber que estou forçando isso? - na perna, algo tão comum entre as pessoas nos dias de hoje. E aí que ele não se sentia mais capaz de olhar para um ponto fixo e na fé que conseguiria fazer com que ninguém notasse, pegou a sua mochila e fingiu estar procurando algo bem lá no fundo e que por isso ele tava demorando tanto naquela procura – mas sem fazer muito barulho para não chamar atenção daqueles que ainda não o tinham notado. E aí que Josué, no meio do rebuliço dentro da mochila, se tocou que não estava mais conseguindo prestar atenção em o que lhe era dito; ele escutava perfeitamente, mas as palavras passavam por ele como se não tivessem importância alguma, só que ele queria dar valor para aquelas palavras, ele se esforçava para assimilar e guardar aquilo que estava sendo dito pra ele e ele tenta com bem muita vontade e até que consegue segurar uma oração completa, mas aí ao repetir dentro da cabeça aquela frase – Consegui! Calma, calma, tá vendo que já passou? Essa foi fácil - ele já se perde na que veio a seguir e no desespero de não saber o que colocar depois daquela primeira, esquece tudo de novo – Estúpido, estúpido, estúpido. E aí alguém por perto dá pra Josué um papel e ele sabe que naquela folha é para colher assinaturas, mas ele tem medo que esteja tremendo tanto ao ponto de não conseguir segurar com firmeza a caneta e ao pensar isso, ele lembra-se que não levou a caneta e vai ter que pedir para alguém, olha para os lados, não sabe para quem pedir, não quer pedir, não quer que o vejam naquela situação, não quer que olhem para ele em nenhuma situação, quer sumir. E aí ele na loucura de considerar que está passando do limite de tempo aceitável para ficar com o papel e com o costumeiro receio de que alguém lhe dirija a palavra, prefere pedir uma caneta, falou tão baixo e rápido que pôde ter a certeza que não entenderam, mas por verem que ele estava com o papel, deduziram que era para dar uma caneta. Josué pegou a caneta e abaixou a cabeça imediatamente, tentando conduzir toda concentração possível para o papel, mas na sua cabeça, no meio dos tantos e tantos pensamentos, passa rápidamente o que estão todos olhando pra ele enquanto ele está com a cabeça baixa, assina o mais depressa que pode o nome – nossa, que letra horrível, com certeza a próxima pessoa vai notar isso – e repassa o papel, ergue a cabeça e – nossa, eles são muito rápidos – ninguém olhando pra ele. E aí Josué pensa em ir embora, mas antes precisa pensar qual o melhor caminho até a porta de saída, por onde vai esbarrar em menos gente e será menos notado – e se alguém me chamar quando eu levantar? -, direita, três passos não muito largos, esquerda, dá a volta por aquela idiota que tá de perna cruzada bloqueando o caminho e depois é só mais uns passinhos e estou na porta – por favor, que não me notem, por favor, por favor -. E aí Josué se levanta e consegue fazer todo o trajeto, finalmente: livre. Só que aí a tremedeira continuou e em vez dos pensamentos descontrolados, Josué sente o descontrole emocional. Decide que aquela é a última vez que se submete à algo assim, passa rapidamente no banheiro para lavar o rosto, se olha no espelho – estúpido, estúpido, estúpido – e nota que ainda não se livrou completamente dos tremores, sai do banheiro por não aguentar se encarar naquela situação e vai embora. Estúpido, estúpido, estúpido.

3)

18 setembro, 2014

Trechos de Antes de Nascer o Mundo

"Toda a história do mundo não é mais
que um livro de imagens reflectindo
o mais violento e mais cego
dos desejos humanos: o desejo de esquecer.

Hermann Hesse, Viagem pelo Oriente"

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"A família, a escola, os outros, todos elegem em nós uma centelha promissora, um território em que poderemos brilhar. Uns nasceram para cantar, outros para dançar, outros nasceram simplesmente para serem outros. Eu nasci para estar calado. Minha única vocação é o silêncio. Foi meu pai que me explicou: tenho inclinação para não falar, um talento para apurar silêncios. Escrevo bem, silêncios, no plural. Sim, porque não há um único silêncio. E todo o silêncio é música em estado de gravidez.
Quando me viam, parado e recatado, no meu invisível recanto, eu não estava pasmado. Estava desempenhado, de alma e corpo ocupados: tecia os delicados fios com que se fabrica a quietude. Eu era um afinador de silêncios.
- Venha, meu filho, venha ajudar-me a ficar clado.
Ao fim do dia, o velho se recostava na cadeira da varanda. E era assim todas as noites: me sentava a seus pés, olhando as estrelas no alto do escuro. Meu pai fechava os olhos, a cabeça meneando para cá e para lá, como se um compasso guiasse aquele sossego. Depois, ele inspirava fundo e dizia:
- Este é o silêncio mais bonito que escutei até hoje. Lhe agradeço, Mwanito.
Ficar devidamente calado requer anos de prática. Em mim, era um dom natural, herança de algum antepassado. Talvez fosse legado de minha mãe, Dona Dordalma, quem podia ter a certeza? De tão calada, ela deixara de existir e nem se notara que já não vivia entre nós, os vigentes viventes.
- Você sabe, filho: há a calmaria dos cemitérios. Mas o sossego dessa varanda é diferente."

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"A razão desse favoritismo sucedera num único instante: no funeral da nossa mãe, Silvestre não sabia estrear a viuvez e se afastou para um recanto para se derramar em pranto. Foi então que me acerquei de meu pai e ele se ajoelhou para enfrentar a pequenez dos meus três anos. Ergui os braços e, em vez de lhe limpar o rosto, coloquei as minhas pequenas mãos sobre os seus ouvidos. Como se quisesse convertê-lo em ilha e o alonjasse de tudo que tivesse voz. Silvestre fechou os olhos nesse recinto sem eco: e viu que Dordalma não tinha morrido. O braço, cego, estendeu-se na penumbra:
- Alminha!
E nunca mais ele proferiu o nome dela. Nem evocou lembrança do tempo em que tinha sido marido. Queria tudo isso calado, sepultado no esquecimento."

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"Olhou o fogo, fez de conta que se mirava num espelho, fechou os olhos e aspirou os perfumosos vapores da cafeteira. Ainda de olhos fechados, sussurrou:
- Vou dizer um pecado: deixei de rezar quando você nasceu.
- Não diga isso, meu pai.
- Estou-lhe a dizer.
Uns têm filhos para ficarem mais perto de Deus. Ele se convertera em Deus desde que era meu pai. Assim falou Silvestre Vitalício. E prosseguiu: os falsos tristes, os maus solitários acreditam que os lamentos sobrem às alturas.
- Mas Deus está surdo - disse.
Fez uma pausa para erguer  a chávena e saborear o café e, depois, rematou:
- Mesmo que não estivesse surdo: que palavra há para falar a Deus?
Em Jesusalém, não havia igreja de pedra ou cruz. Era no meu silêncio que meu pai fazia catedral. Era ali que ele aguardava o regresso de Deus."

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"Terminara o universo sem espectáculo, sem rasgão nem clarão. Por definhamento, exaurido em desespero. E assim, vagamente, meu pai derivava sobre a extinção dos cosmos. Primeiro, começaram a morrer os lugares-fêmeas: as nascentes, as praias, as lagoas. Depois, morreram os lugares-machos: os povoados, os caminhos, os portos.
- Sobreviveu apenas este lugar. É aqui que vivemos de vez.
Viver? Ora, viver é cumprir sonhos, esperar notícias. Silvestre não sonhava, nem aguardava notícia. No princípio, ele queria um lugar onde ninguém se lembrasse do seu nome. Agora, ele próprio já não se lembrava quem era."

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"Velhice não é idade: é um cansaço. Quando ficamos velhos, todas as pessoas parecem iguais. Essa era a lamentação de SIlvestre Vitalício. Os habitantes e os lugares já eram todos indistintos quando ele se decidiu pela viagem total. Outras vezes - e foram tantas vezes - Silvestre teria declarado: a vida é demasiado preciosa para ser esbanjada num mundo desencantado.
- Vosso pai está muito psicológico - concluía o Tio. - Isso passa-lhe, mais dia."

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18 dezembro, 2013

Sonata do Outono, Ingmar Bergman

"Às vezes, fico daqui olhando para a minha mulher, sem que ela se aperceba da minha presença. Ela adora ficar sentada perto da janela do canto. Acho que está escrevendo agora uma cara para a mãe. Da primeira vez que entrou nesta sala, disse: "Esta tudo bem, é aqui mesmo que eu quero ficar". Nos tínhamos conhecido dias antes. Houve uma conferência de bispos em Trondheim a que ela assistiu como representante de uma folha eclesiástica qualquer. Nos encontramos durante um almoço e contei-lhe a respeito daqui, da residência do pastor e seus jardins. Ficou tão interessada, tão interessada, que resolvi lhe propor uma visita pela manhã. Viajaríamos logo que a conferência terminasse. No caminho, perguntei-lhe se queria casar comigo. Não respondeu, mas quando entramos nesta sala virou-se para mim e disse: - Está tudo bme, é aqui mesmo que eu quero ficar! Desde então levamos uma vida tranquila aqui neste lugar. Eva, naturalmente, já me contou seu passado. Fez o vestibular e entrou para a universidade, ficou noiva de um médico e viveu com ele durante vários anos, escreveu dois pequeno livros, ficou tuberculosa, rompeu o noivado e mudou-se de Oslo para uma pequena cidade no sul da Noruega, onde começou a trabalhar como jornalista. Este aqui é o seu primeiro livro, gosto muito dele. Escreveu aqui: "Todos precisam aprender a viver. A cada dia, me esforço um pouquinho. A dificuldade principal está em saber quem eu sou e onde estou. É como procurar na escuridão. Se alguém me amasse como sou, talvez, finalmente, me pudesse encontrar". Se ao menos uma vez, uma única vez, eu conseguisse dizer a ela que a amo de todo o coração, fazê-la sentir como é amada, sem restrições de qualquer espécie. Mas eu não consigo dizê-lo, nem fazê-la acreditar, - me faltam as palavras certas."

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 "Por que razão estou me sentindo como se estivesse com febre? Por que razão sinto vontade de chorar? Idiotice, idiotice pura. Sentir vergolha. É isso. É ter a consciência pesada. Sempre, sempre a consciência pesada. Tanta pressa pra chegar aqui. Que é que eu pretendia afinal? Que é que eu desejava, assim, desesperadamente, ainda que não ousasse reconhecêl-lo perante mim mesma?" "Mas dói. Dor. Dor. Espera. Dói, sim, dói como no segundo andamento da sonata de Bartok. É isso, claro. Acelerei demais o compasso, evidente. O certo é começar tan-tan e depois vem uma pequena onda de dores, sofrimentos. Lento, lento, mas sem lágrimas, porque não há mais lágrimas ou elas nunca existiram. Assim, isso mesmo. E se na prática der certo, então a visita aqui ao lugar não terá sido totalmente em vão."

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 "Venho aqui visitar o cemitério todos os sábados. Se o tempo está ameno como hoje, fico sentada um pouco neste banco junto da campa e deixo os pensamentos correr à vontade. Erik morreu afogado um dia antes de completar quatro anos. [...] Viktor sofreu muito. Havia qualquer coisa de especial entre Erik e o pai. Botei luto durante um bom bocado de tempo, mas de uma maneira superficial. Por dentro, bem no fundo da minha alma, eu sabia desde o início que ele continuaria a viver, que continuaríamos a viver os dois, bem chegados um ao outro. Preciso apenas me concentrar um pouco, um pouquinho só, e lá está ele perto de mim. Às vezes, justamente quando estou para adormecer posso sentir sua respiração contra o meu rosto. Depois, um afago de sua mão. Você acha que é uma excentricidade? Talvez eu possa entender se acaso pensa assim. Para mim é uma coisa completamente natural. Ele está vivendo uma vida diferente, mas a qualquer hora podemos entrar em contato um com o outro. Não há fronteiras. Nenhum muro intransponível. Às vezes, evidentemente, começo a pensar como é a realidade no mundo em que o meu menino vive e respira. Mas ao mesmo tempo compreendo muito bem que não dá para descrever essa realidade, visto que é um mundo de sentimentos liberados. Viktor sofre muito mais do que eu. Diz que não acredita mais em Deus já que Deus deixa as crianças morrer, deixa que elas se queimem e ardam até a morte, que fiquem doidas, que sejam baleadas ou morram de fome. Tento explicar-lhe que não existe diferença entre crianças e adultos, já que os adultos são crianças obrigadas a viver fantasias de adultos. Pra mim, o ser humano é uma criação indescritível, tal qual um pensamento imcrompreensível. E no ser humano existe tudo, do mais alto ao mais baixo, precisamente como na vida. O ser humano é a imagem de Deus e em Deus tudo existe, tudo, como se fossem forças enormes. E assim criaram os diabos e os santos, os profetas e os feiticeiros, os artistas e os destruidores. Tudo existe, lado a lado, penetrando-se mutuamente. É como se fossem monstros gigantescos que a toda hora se transformam, entende o que quero dizeR? Da mesma maneira deve existir também uma quantidade ilimitada de realidade. Não apenas aquela realidade que entendemos com os nossos sentidos obtusos, mas sim um montão de realidades girando à volta umas das outras, por dentro e por fora. Claro que é apenas o medo e o pretensioso bom-senso que nos fazem acreditar em fronteiras. Não existem fronteiras. Não existem, nem para os pensamentos, nem para os sentimentos. É a angústia que fixa as fronteiras, você também não acha? Quando você toca os compassos lentos da sonata de Beethoven para hammarklaver também deve sentir como se estivesse girando num mundo sem fornteiras, dentro de um movimento gigantesco que você mesma jamais poderá reconhecer ou pesquisar. É tal e qual como Jesus. Ele rompeu as leis e as fronteiras com o sopro de um sentimento novo, um sentimento do qual ninguém ainda tinha ouvido falar, o sentimento do amor. É evidente que as pessoas ficam quase sempre aterrorizadas e tentam fugir quando uum grande sentimento as subjuga. Isto, apesar de passarem o tempo todo se arruinando com saudades de seus sentimentos ressequidos e mortos." 

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 "Charlotte
Acho que ela na realidade é tremendamente infeliz. E que, de repente, um dia, é capaz de reconhecer a crueza da verdade e fazer uma loucura qualquer. [...]

Viktor
Então, por favor, senta aqui um momento, queria Charlotte, e escuta. Vou tentar te explicar o que é que penso da minha mulher.

 Charlotte
 Muito bem, estou escutando.

Viktor
Quando pedi a Eva para casar-se comigo, sua resposta imediata foi a de que não me amava. Perguntei se ela amava outro. Me respondeu dizendo que jamais tinha amado qualquer pessoa, que se sentia incapaz de amaar. Eva e eu vivemos aqui durante vários anos, sempre muitos atenciosos um com o outro. Trabalhávamos muito, íamos ao exterior passar minhas férias, até que nasceu Erik. Já tínhamos perdido as esperanças de ter um filho nosso e falávamos até um bocado a respeito de adoção... Enfim, com a gravidez, Eva passou por uma total transformação. Ficou alegre, terna e extrovertida. Ficou também preguiçosa, esquecia seus trabalhos na paróquia e o piano. Podia ficar sentada horas seguidas naquela cadeira, com as pernas para o alto em cima da outra cadeira, olhando a trajetória da luz do sol nas montanhas e no fiorde. De repente, nos sentimos muito felizes... Desculpe por dizer isso, mas a verdade é que nos sentimos muito felizes na cama. Sou vinte anos mais velho do que Eva e achei que isso, realmente, estava começando a plantar-se como um pesadelo sobre o nosso convívio, compreende?... Eu achava que ela podia um dia olhar em volta e dizer assim: afinal, que espécie de vida é esta, é assim que tem que ser? Mas depois tudo se transformou, ficou tudo diferente. Foram alguns... Foi formidável, algumas... Charlotte, você vai me desculpar, mas continua a ser um pouco difícil dizer... Bem, foram alguns anos de muita felicidade. Você devia ter visto Eva naquela época. Não devia ter perdido a ocasião, não.

Charlotte
Recordo, sim, aqueles anos antes e depois do nascimento de Erik. [...] Não tinha um único dia livre.

Viktor
Não, isso mesmo. Insistimos várias vezes para você vir aqui, mas lamentavelmente você nunca tinha tempo disponível. Quando Erik morreu afogado, o clima de pesadelo começou a pesar ainda mais sobre o nosso convívio. Para Eva, enfim, a situação era especial.

Charlotte
Especial? Como assim especial?

Viktor
Os seus sentimentos vivem corroídos por dentro, pelo menos é o que parece. Ficou mias magra, mais ossuda, e também desequilibrada quanto ao humor... Pode ter, por exemplo, enormes explosões de raiva. Mas não acho que esteja sendo excêntrica ou tenha um comportamento estranho. E se ela sente que seu filho vive junto dela, talvez assim seja. Ela não fala muito disso. Receia me ferir... Mas aquilo que diz parece verdade. Acredito nela. Aquela pequena fé que tenho sobrevive só porque ela quer.

Charlotte
Desculpe se o melindrei.

Viktor
Não faz mal, Charlotte. Ao contrário de você e de Eva, eu sou uma pessoa difusa e einsegura. A culpa é toda minha.

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Charlotte
Nao acha que esta noite eu devo tomar um bom par de pílulas para dormir? É, acho que sim. Aqui é tão calmo, silencioso, apenas a chuva batendo leve contra o telhado. Dois mogadon e dois valium devem ser suficientes.

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Charlotte
Você gosta de mim, não gosta?

Eva
É evidente que sim. Você é minha mãe.

Charlotte
Essa não foi uma resposta direta.

Eva
Então, vou responder com uma outra pergunta: você gosta de mim?

Charlotte
Eu te amo.

Eva
Não é verdade. (sorri)

Charlotte
Você me acusa por falta de amor. Mas você não vê o que há de inconcebível numa acusação dessas?

Eva
Não foi acusação nenhuma.

Charlotte
Você se acusa a você mesma por falta de amor em relação a Viktor?

Eva
Eu disse a viktor que não o amava. Você finge que ama. Essa é a diferença.

Charlotte
E se eu o fizesse de boa fé?

Eva
Agora, não entendo o que quer dizer.

Charlotte
E se eu estivesse realmente convencida de que amei, a você e à Helena?

[...]

Eva
De qualquer maneira fui eu, fui eu que, quando as noites chegavam, tinha que fazer companhia a papai, dar-lhe algum consolo, e me sentia obrigada o tempo todo a repetir pra ele que você certamente e apesar de tudo ainda o amava, que você, com certeza absoluta ainda voltaria para casa, fui eu que li suas cartas pra ele. As suas cartas... Longas, carinhosas, cheias de amor, divertidas e até bem humoradas. Cartas, onde contava a respeito das suas interessantes viagens, dos pedaços felizes. Nós ficávamos ali sentados, feito dois imponentes idiotas, lendo suas cartas duas, três vezes, e achando que não podia existir pessoa mais maravilhosa do que você.

Charlotte
Eva, você me odeia?!

Eva
Não sei. Estou meio desorientada. Só sabia, isso sim, que, depois de sete anos de ausência, você ia chegar e me alegrei, fiquei satisfeita, com essa vinda. Não sei que idéias eu tinha. Talvez achasse que você devia sentir-se só e triste. Não sei. Achava talvez que já era adulta, que podia olhar de frente pra você, pra mim mesma, pra doença de Helena, e pra minha infância. Agora entnedo que só existe o caos, um grande caos. Boa noite, mamãe. Não faz sentido nenhum continuarmos falando do passado. Só pode nos massacrar ainda mais. É um absurdo.

Charlotte
Você joga um montão de acusações e depois vai embora! É assim?

Eva
De qualquer maneira já é tarde demais.

Charlotte
Tarde demias para quê?

Eva
Nada poderá ser modificado.

(Através do silêncio, de repente, escuta-se um som abafado, queixoso, quase desumano. Charlotte olha aterrorizada para sua filha. Eva diz: "É helena, acordou, vou lá acima num instante ver se ela precisa alguma coisa". Sobe no escuro, conhece o caminho, não precisa acender a luz. Lá fora a lua continua brilhando intensamente. Está tudo tranquilo, imóvel, nem um sopro de vento, nem o vôo de um pássaro. Eva abre devagar a porta do quarto de Helena. O som de queixume pára quase que imediatamente. Acende a lâmpada da mesinha de cabeceira. Helena está sentada na cama, encostada nos travesseiros grande e presa com um cinto. As convulsões agitam seu pescoço e seus ombros. Morde os lábios. Os olhos estão bem fechados. Dorme. Eva tenta acordá-la, com cuidado, lentamente, seus olhos se abrem; lentamente, ela reconhece a realidade. Tenta dizer alguma coisa, mas desiste imediatamente. Eva pergunta-lhe se está com sede. Responde que não, agradece, fecha os olhos e adormece rapidamente. As convulsões não voltam, seu rosto parece tranquilo. Eva ainda fica sentada, perto dela, durante um tempo. Apaga a luz. Dá mais uma olhada.)"

pag 80

12 agosto, 2013

Renato Alt

Outono

Vou explicar de novo, talvez não me tenha feito entender. Quero você pra mim, mas isso não lhe dá o direito de agir como quiser. Lembre-se: sentimentos pedem correspondência, e se não nutridos, na melhor das hipóteses, morrem. Não se engane: quando ligo e você não atende, quando falo e você não ouve, quando olho e seu olhar desvia, algo acontece: não há pedido de desculpas, ainda mais quando repetido à exaustão, capaz de curar todas as feridas; se quer curar todas, aja como quem quer curar todas. Talvez eu veja agora o que já deveria ver desde o início: que nenhum amor deve ser maior que aquele por si mesmo, e que nisto nada há de narcisismo; apenas a constatação de que, em todas as instâncias, é apenas conosco que podemos ter a certeza de sempre estar, a todo dia, em todas as horas, e que da nossa companhia é impossível fugir; assim, da mesma forma, é impossível fugir das cobranças que nos fazemos. Talvez agora eu veja que o egoísmo não é somente introspecctivo, mas também se mostra quando o outro parece-nos mais importante do que aquilo que nos compõe. Talvez eu tenha visto que as noites de choro, o entorpecimento do vinho e os ouvidos amigos não são opção de destino para aquilo que pretendia lhe oferecer. Talvez eu tenha visto que a quero pra mim, mas não a qualquer preço. Coloco-me onde devia estar: como quem a vê, como quem a quer, mas como alguém que responde àquilo que recebe. Minha espera, agora, é em movimento.

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NEOQEAV

Foi o dia em que decidira distribuir seus amores: ao vento, ao sol, ao calor que lhe fazia escorrerem gotas apressadas pelos rosto, à poeira que lhe enchia os poros e à luz que lhe cegava enquanto percorria, em velocidade aturdida, os quilômetros vazios à sua frente, naquele deserto que consumia tantas almas esperançosas de vida melhor.

Pé pesado, prensado, pegajoso, penado: arruaceiro, cortando estradas e estacionamentos e restaurantes e pousadas e motéis de neón falhado, lagartos, placas, outdoors e pontos de interesse geológico, areia, cactos, fiapos de roupas e atrações que não viam atraídos.

Decidira distribuir seus amores a quem não os queria, a quem os percebia, a quem pouco se importava, a quem sequer sabia que existiam: era o dia em que se deixava ser, se deixava pra lá, era o que era, e pronto, e isso por si só se bastava.

Era o dia em que distribuía seus amores, para que - e em secreto confessava - talvez em troca recebesse algum: fosse das flores sob o sol, fosse do vento, fosse do calor que lhe fazia escorrer gotas pelo rosto, fosse da poeira, fosse do que fosse.

Era ele só, e só, ao que viesse.

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15 maio, 2012

Trechos de "Opções"

"Último dia do ano, e minha realidade é a solidão." -~- -~- -~- "Sorrio e lembro-me de como punha para dormir, quando era pequena, todos os meus bichos de brinquedo. E zarpávamos juntos, ao encontro de papai, no céu. Que maravilhosas viagens fazíamos! Algumas vezes, ainda tiro um ou outro desses animais das velhas e poeirentas caixas de papelão em que vivem. Observo seus olhos de vidro, as orelhas rasgadas, e fico imaginando se a menininha que eu fui ainda pode ser encontrada em alguma parte, entranhada neles como um perfume, a lembraça de um toque." -~- -~- -~- "Minha vida permitia opções mas, com frequência, vivia como se elas não existissem. O triste resultado de não ter exercido meu poder de opção foi que minha lembrança de mim mesma não é a da mulher que acredito ser. Algumas coisas são inalteráveis: Nasci. Sou parte das marés do oceano. E, no final, minha onda, como todas as outras, vai quebrar-se nos rochedos. Isto é eterno. Mas, dentro desse quadro, tenho opções e sou vista pela maneira como as faço, ou deixo de fazê-las." -~- -~- -~- "Muitas vezes, queria poder começar de novo, tornar a ser criança e reviver quem eu era entãoe quem eu queria ser. Muitas vezes, queria redescobrir dentro de mim a menina inocente e sábia que fui, antes de me ensinarem o que é a vida. Em busca de minha inocência perdida, saí por uma porta. Naquele tempo, acreditava que perseguia um objetivo, mas descobri, em vez disso, o significado da opção. Não sabia que, ao sair pela porta, parte da minha jornada já fora cumprida." -~- -~- -~- "Esse homem adorável pega em minha mão e me olha, encorajadoramente. Canto. Diante dos meus olhos, ele envelhece vinte anos." -~- -~- -~- "- Você é complicada demais - disse a voz dele, misturada com música e o riso de pessoas. Já era sexta de manhã e eu sabia que tinha diante de mim um daqueles intermináveis e sombrios fins de semana. Olhei para o espelho e vi esta mulher de meia-idade que não pára de invadir meu rosto. E estava mais presente que de costume. A percepção que tenho de mim mesma não corresponde ao que vejo nos espelhos. [...] Fui para a cama ao amanhecer e uma agitada menina de treze anos me acordou. - Por que papai sempre me chama de linnzinha? - Ah, porque nós, pais, não vemos apenas sua imagem de treze anos - disse-lhe - Vemos, também, tudo que você foi antes. Os outros a vêem como você é hoje mas, para nós, você é também as lembranças suas que temos e, dentro de alguns anos, também as deste ano de sua vida. Cada vez mais, as recordações se parecerão com o que você, finalmente, se tornará. Embora nunca vá ser mais definitiva que hoje. A vida apenas acrescentará experiência e modificará seu corpo e seu rosto. - Sempre tem que dar essas respostas tão compridas? - perguntou, enquanto adormecia em minha casa." -~- -~- -~- "Algumas vezes, o mundo escuta; algumas vezes, o mundo compreende. Mas, muitas vezes, o mundo encara com indiferença uma manifestação como esta." -~- -~- -~- "Uma velha balançando-se para a frente e para trás, em sua cama. Todos os seus pertences e mais duas pessoas, com os pertences dela, estão amontoados junto a seu corpo, na mesma cama. Essa é a vida dela: uma velhinha sentada, balançando-se numa cama, numa terra estrangeira, sem falar sua língua, apenas sonhando com o dia em que tudo será diferente." -~- -~- -~- "No meio do campo de refugiados existe um abrigo para leprosos, que são atendidos por enfermeiras com longos vestidos cinzentos a farfalharem no calor. Lá dentro, paro diante de uma mulher muito, muito velha, deitada sobre o colchão em posição fetal. Seus finos e doloridos gemidos são o único ruído na sala. Durante um longo tempo, apenas fico ali em pé, a olhá-la, inerme, com os braços caídos. Uma enfermeira de passagem me dá uma palmadinha no ombro e faz um aceno de cabeça em direção à mulher, que não tem dedos nas mãos nem nos pés e está com a metade do rosto devorado. Lentamente, eu me abaixo. Braços longos envolvem a mulher, minha avó de doce lembrança. Suavemente, eu a acaricio. Cuidadosamente, eu a embalo. Cabelo grisalho numa longa trança. Ombros magros. Ah, vovó, lembro-me do contato de seus braços em torno de mim, do cheiro de sua pele. No momento em que a toco, a velha do Vietnam dá um pequeno suspiro de alívio. Como fazem os bebês quando choram, ao serem levantados e embalados ao colo. Doce senhora de terras distantes, sinto uma grande ternura. Um corpinho tão magro comprimido de encontro ao meu. Depois de um longo momento de paz, deito-a devagarinho na ama, outra vez. Ela me olha com medo e começa de novo a soluçar. Um pequeno animal ferido choraria assim." -~- -~- -~- "Essa é a história de Phorl. Tem treze anos. - Gostaria de voltar e limpar os templos. Sinto muita falta deles, assim como das montanhas perto de nossa vila. Claro que sinto falta, também, de meus pais, mas não sei se os encontrarei quando voltar. Os templos e as montanhas, com certeza, estarão lá. Mas papai e mamãe? Tenho dúvidas. Uma história que não menciona nome nenhum - porque a carta jamais foi terminada. "... tratamento muito doloroso por parte dos soldados de Pol... forçaram meus irmãos e irmãs e meus pais a trabalharem em seus campos de concentração... grande massacre... grande opressão... minha alma está solitária e desamparada... quando Pol Pot foi destruído voltei para procurar minha família... apenas algumas palavras dizendo que todos os seus membros haviam sido mortos... oito filhos, mãe, pai... ah, meu Deus... as lágrimas escorrendo... estou sozinho..." Ser transformado num estranho. Viver num solo onde não se pode plantar nenhuma raiz. Uma perda que jamais será reparada." -~- -~- -~- "Uma menina de cerca de seis anos, num campo enorme. Usa meu chapéu e carrega minha bolsa, segurando com força a minha mão, orgulhosa porque apenas ela, entre uma multidão de crianças, tem essa posição especial junto à visitante adulta. Mas, de repente, dá a outra criança meu chapéu, minha bolsa e minha mão, vira-se para um menino que chora, carrega-o e o conforta. Seu sorriso e seu cuidado para com outrem, mesmo num momento em que ela era especial, seu sentimento de responsabilidade em meio ao seu próprio privilégio... Se abrissem meu coração, encontrariam a doce lembrança de crianças que não são mais estranhas. Um menino cochicha: - Algumas vezes eu choro, mas só quando chove - assim, as outras crianças não percebem." -~- -~- -~- "A pergunta que deve ser feita não é: "Somos nós culpados pelo seu infortúnio?" Embora o espectador silencioso seja, com frequência, tão culpado quanto o agressor. Mas a culpa é uma prisão para as emoções e impede o processo de mudança e compromisso. A pergunta deve ser: que oportunidade de ajudar existe para aqueles, entre nós, que testemunham a calamidade?" -~- -~- -~- "Uma menina, num campo de refugiados, descobriu-me. E eu a descobri. Ela me mostrou como era sua vida. Agora, quero saber mais. Quero descobrir a vida que nos cabe a todos, como a usamose se existe alegria em vivê-la; e para que servimos, para que servem os amigos e o motivo de existirem pessoas solitárias. Quero descobrir a sensação da vida quando começa. Quero descobrir a sensação da vida quando se aproxima de seu fim inevitável. Quero descobrir por que queremos ser descobertos." -~- -~- -~- "Üm campo cheio de flores silvestres, um céu cheio de estrelas. A amplitude do primeiro me envolve, o mais suave dos perfumes me faz sorrir, enquanto volto meu rosto para o alto. Em silêncio, formulo um pedido: "Ah, fazei com que eu ame outra vez. Fazei com que eu seja amada." Segundo se diz, uma estrela cadente garante a realização de um desejo. Mas formulei dois." -~- -~- -~- "Minha mente está cheia de contos de fadas, com anões e duendes, gnomos e lendas. E a fantasia das histórias infantis invade apaixonadamente minha realidade. Quando eu era criança, uma árvore era aquele maravilhoso pontinho azul, com coisas vermelhas e amarelas em torno, que eu sabia pintar. E só depois que os adultos me disseram, repetidas vezes, que as árvores de verdade não se pareciam com as minhas, foi que examinei meus pontinhos e nunca mais pintei assim. Fantasia, Como preciso dela! Como sinto falta de minhas caixinhas, com sua mistura de cores, o cheiro de tinta e a sensação de dar um grossa pincelada vermelha num grande pedaço de papel em branco. Nos dias de realidade que agora vivo, sinto falta do fulgor da infância, quando tudo era possível." -~- -~- -~- "Ele apareceu num período de minha vida em que eu estava disposta a atravessar um vale caminhando sobre um arco-íris, a viver minha fantasia de amor, a acreditar em todos os meus sonhos e a me lançar pelo espaço, ao lado dos pássaros, abolindo todas as fronteiras." -~- -~- -~- "Depois de um momento, durante o qual nos observamos em silêncio. [...] Me pergunta se aceito tomar uma bebida com ele esta noite. Apenas durante uma hora. Em vez de dizer não, digo sim. Meu maquiador, que escuta a conversa, sorri. Brinco com ele, mais tarde, rindo: - Sabe, ele pode ser o homem da minha vida!" -~- -~- -~- .

03 março, 2012

One Tree Hill

Nathan, assim que escutei "achamos um cadáver", meu coração parou. Não consegui pensar, não consegui me mover. Agora que consigo ao menos me mexer, veio em minha mente um momento que tivemos anos atrás. Esse momento insignificante fica passando repetidamente em minha cabeça e não sei por quê. Era seu aniversário, seu primeiro ano jogando pelo Maryland. Jamie devia ter dois anos. Você disse que não queria fazer nada, mas eu insisti em comprar seu sorvete preferido. Lembra? Quando eu trouxe chocolate com menta, você perguntou por que eu achava que aquele era o seu preferido, e eu fiquei confusa. Sempre que tomávamos sorvete, era esse o sabor que você escolhia, mas você disse que "Rocky Road" era seu preferido. E você me olhou com tanto carinho e disse que só escolhia chocolate com menta porque sabia que era o meu sabor preferido. Foi quando percebi, pela primeira vez que você sempre decide as coisas pensando nos outros. Você fez tudo por mim e pela sua família. E me dei conta que ainda há muito o que aprender um com o outro! Desde então, Nathan, aprendi sobre o homem altruísta, humilde e forte que você foi. Nathan, não posso ouvir que você não vai voltar, que eu nunca mais vou poder descobrir algo novo sobre você, que nunca mais sentirei seu toque, seu amor novamente. Nathan... Por favor. Tivemos mesmo nossa última conversa? Nosso último beijo? Não sei o que faria se... Por favor.

01 março, 2012

Trechos de "Viagem Solitária"

"Somos seres únicos, a diferença e a diversidade entre os indivíduos são condição essencial da natureza humana.
Hoje sei que sou uma pessoa melhor, mais completa, mais corajosa, mais ousada e infinitamente mais livre."

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"Outro suporte veio dos papos que tinha com um amigo de seu pai, na época exilado político no Uruguai. Era o antropólogo Darcy Ribeiro, que, sem filhos, adotou o jovem em crise que frequentava sua casa para desabafar e fumar escondido. João considerava darcy seu mentor intelectual, quem lhe mostrou um jeito de habitar um mundo que não o compreendia. "Ou você fica rico pacra calar a boca das pessoas, ou vira um itelectual", postulava ao jovem."

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"Sobre a mania que temos de reduzir as coisas, ele desabafa:"Você nasce e morre dentro de caixas. Caixa da família, da escola, do casamento e depois vai para o caixão. Ponha o pé fora disso e você já é estigmatizado. Tem que ter muita estrutura para segurar a peteca da marginalidade".
Arrependimento? "Nem por um segundo", João responde antes mesmo de a pergunta terminar. Para ele, a escolha era tão óbvia quanto respirar. O problema foi convencer o resto do mundo disso."

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"O que importa é que a condição humana deve ser mais piedosamente convivida entre todos os seres humanos entre si, como este caso mostra e prova, com beleza exemplar.
Leiam-no e humanizem-se."

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"Apesar da minha vivacidade, do casarão, das três irmãs movimentando o ambiente, fui uma criança só e triste. Na pracinha, perto de casa, onde costumava brincar, era ridicularizado. No colégio, não tinha grupinhos e, em casa, não era compreendido. O que realmente gostava nunca podia ser claramente expresso. Numa espécie de revolta, cansado de dissimular, andava sujo, ocm roupas largas e despencadas. Quando podia, não penteava os cabelos nem escovava os dentes. Era um ser sem vaidade. Só me sentia bem quando de shorts e sem camisa."

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"Pressentia que o errado deveria ser eu, e não eles, mas que confusão! O pior é que quanto mais crescia, mais exigências iam sendo feitas, aumentando as dificuldades. Sabia não possuir um pinto tão grande como o dos outros meninos da minha idade. Mas alimentava a esperança de que ainda crescesse. Deitava na cama e ficava puxando o meu "pinto", para ver se aumentava. Ao acordar, a desilusão! Tudo continuava na mesma. Nenhuma fada apareceu. Nenhum milagre aconteceu."

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"Aos poucos, fui sentindo vergonha do meu corpo. Não ficava nu diante de ninguém. Era como se tivesse um defeito físico, uma aleijão. Não trocava de roupa na frente das meninas e me envergonhava quando o inverso ocorria."

21 dezembro, 2011

Sentimento, por Ivana Debértolis

penso em parar por aqui. honestamente penso em deixar de querer e para sempre não desejar mais. imagino possibilidades e faço planos para o meu nada. é mesmo tudo mentira e em algum momento eu terei mesmo que pensar em terminar, e se fosse agora não me desagradaria. eu falo de morte como falo de amor e de vida, são versões da mesma história, história que inventei e não deu certo, deixei de acreditar. eu tinha preparado tudo, estava tudo combinado, ajeitado da melhor forma para que fosse uma vida feliz, mas a deformidade foi maior e venceu. o estranho me envolveu e eu caí de cama. não quero, tenho preguiça de pensar que pode ser de novo novidade, não tenho o direito de me desapontar ainda mais. sou cruel com os outros, minto, traio, mas comigo mesma preciso ser leal; meu corpo está povoado por verdades sobre mim que não preciso e nem quero esconder. se eu pudesse fazer um pedido, eu pediria pra viver de ficção, fora isso não quero pedir nada e mesmo isso ninguém vai me dar. não quero mais o que tem em volta, quero fazer parte de uma notícia do passado e gostaria muito que me esquecessem. eu precisava tanto ir embora, queria alguém que me pegasse pela mão e mostrasse o caminho. o que eu quero é ter fim e isso é bem razoável, é um direito. o que me entristesse é que sei que sou obrigada a continuar, porque apesar de tudo existe o medo, o mesmo medo que me faz não querer mais estar e ser. é confuso. este meu desejo já me transformou em outra pessoa, mesmo que eu fique, e eu vou ficar, já não sou a mesma e nem sou feliz.

06 dezembro, 2011

Trechos de Ratos e Homens

"-A gente não vai jantá?
-Claro que vai, se ocê fô buscá uns galho seco de salgueiro. Tenho treis lata de fejão na minha troxa. Ocê arruma o fogo. Eu te dô um fósfro quando a madeira tivé pronta. Daí a gente isquenta o fejão e janta.
-Eu gosto de comê fejão com molho de tomate.
-Bom, a gente num tem molho de tomate nenhum.[...] Ocê sempre qué tudo que a gente num tem. Pelo amor de Deus, se eu tivesse sozinho, ia consegui vivê bem fácil. Ia arrumá um emprego e trabaiá, sem problema nenhum. Nenhuma confusão, e quando fosse fim do meis, eu ia podê pegá meus cinquenta pau e ir pra cidade e comprar tudo que eu queria, mas o que eu tenho? Eu tenho ocê! Ocê num consegue ficá em emprego nenhum, Só me faiz ficá andando de cima pra baixo sem pará. Ocê se mete em confusão, faiz umas coisas ruim e eu tenho que livra sua cara.
-George, eu só tava brincando. Num quero molho de tomate nenhum. Se tivesse um pote bem aqui do meu laado, eu ia dexá tudo pr'ocê.
-Quando eu fico pensando em tudo de bom que eu ia podê fazê se num tivesse ocê cumigo, eu fico loco. Nunca tenho paz.
-George, ocê qué que eu vô imbora e deixo ocê em paz? Eu ia. Eu ia achá uma coisa. Se ocê num qué sabê de mim, posso ir pras montanha ali. Pr'algum lugá onde desse pra achá uma caverna."

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"-Uns sujeito que nem a gente, que trabaia nas fazenda, é os sujeito mais sozinho do mundo. Essa gente num tem família. Essa gente num pertence a lugá nenhum. Eles vai até uma fazenda e trabaia pra ganhá um dinhero e daí vai pra cidade gastá o dinheiro, e logo já tá lá, arrastando o rabo em otra fazenda. Essa gente num tem nada que esperá do futuro. Com a gente, num é assim. A gente tem alguém com quem conversá, alguém que se importa co'a gente. A gente num precisa ficá sentado em bar nenhum gastando o nosso dinhero só porque não tem otro lugá pra ir. Se um desses sujeito vai pra cadeia, pode apodrecê lá que ninguém tá nem aí. Mas co'a gente é diferente.
Lennie interrompeu:
-Mas isso num vai acontecê co'a gente! E por quê? Porque... porque eu tenho ocê pra cuidá de mim, e ocê tem eu pra cuidá d'ocê, e é por isso - riu de tanta alegria - Agora pode continuá, George.
-Ocê já decorô. Pode continuá sozinho.
-Nada disso, ocê é que sabe contá. Eu isqueço umas coisa. Conta como é que vai sê.
-Tudo bem. Um dia desse... a gente vai juntá um dinheiro e vai comprá uma casinha e uns alquere de terra e uma vaca e uns porco e...
-E vai vivê da terra! - Lennie exclamou. - E vai tê coelho. Vai, George! Conta do que a gente vai tê no jardim e dos coelho nas gaiola e da chuva no inverno e do fogão, e da nata do leite que é tão grossa que a gente nem consegue cortá. Conta essas coisa, George."

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20 novembro, 2011

Tempão

Faz um tempão, tem mais de um ano, mas eu mantenho tudo igual, não me atrevo a mudar, não quero mudar. Estou inseguro, o que pode me acontecer? Me acordo feliz quando sonho com você, me sinto em êxtase por ter "vivido" alguns momentos simples com você, como ir ao supermercado, assistir um filme ou como em um dos sonhos mais aventureiros, você me aparecer e dizer que está tudo bem, que tudo foi um plano e que estavas com muita saudade de mim. É uma sensação de alívio e felicidade que não sinto faz um tempão, mas isso não se prolonga muito, em instantes sou jogado involuntariamente em um mundo onde me sinto fraco, pequeno, instável e vilipendiado. O que eu preciso não é de "meus pêsames" ou de qualquer outra frase babaca que dizem tentando silenciar minha dor, eu preciso de você, só você.

11 agosto, 2011

..-..

Saudades de minha mãe.
Sua morte faz um ano e um fato
Essa coisa fez
eu brigar pela primeira vez
com a natureza das coisas:
que desperdício, que descuido
que burrice de Deus!
Não de ela perder a vida
mas a vida de perdê-la.
Olho pra ela e seu retrato.
Nesse dia, Deus deu uma saidinha
e o vice era fraco.
Elisa Lucinda

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Por que sinto falta de você? Por que está saudade?
Eu não te vejo mas imagino suas expressões, sua voz teu cheiro.
Sua amizade me faz sonhar com um carinho,
Um caminhar, a luz da lua, a beira mar.
Saudade este sentimento de vazio que me tira o sono
me fazendo sentir num triste abandono, é amizade eu sei, será amor talvez...
Só não quero perder sua amizade, esta amizade...
Que me fortalece me enobrece por ter você.
Machado de Assis


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SE EU MORRER ANTES DE VOCÊ

Se eu morrer antes de você, faça-me um favor:
Chore o quanto quiser, mas não brigue comigo.
Se não quiser chorar, não chore;
Se não conseguir chorar, não se preocupe;
Se tiver vontade de rir, ria;
Se alguns amigos contarem algum fato a meu respeito, ouça e acrescente sua versão;
Se me elogiarem demais, corrija o exagero.
Se me criticarem demais, defenda-me;
Se me quiserem fazer um santo, só porque morri, mostre que eu tinha um pouco de santo, mas estava longe de ser o santo que me pintam;
Se me quiserem fazer um demônio, mostre que eu talvez tivesse um pouco de demônio, mas que a vida inteira eu tentei ser bom e amigo...
E se tiver vontade de escrever alguma coisa sobre mim, diga apenas uma frase:
-"Foi meu amigo, acreditou em mim e sempre me quis por perto!"
Aí, então derrame uma lágrima.
Eu não estarei presente para enxugá-la, mas não faz mal.
Outros amigos farão isso no meu lugar.
Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito.
Amizade só faz sentido se traz o céu para mais perto da gente, e se inaugura aqui mesmo o seu começo.
Mas, se eu morrer antes de você, acho que não vou estranhar o céu.
"Ser seu amigo, já é um pedaço dele..."
Chico Xavier

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A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso.

Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria. Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade.

Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo! Não seria perfeito?
Charles Chaplin

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CANTEIROS

Quando penso em você fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade
Correm os meus dedos longos em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento
Pode ser até manhã, cedo claro feito dia
mas nada do que me dizem me faz sentir alegria
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Para correr entre os canteiros e esconder minha tristeza
Que eu ainda sou bem moço para tanta tristeza
E deixemos de coisa, cuidemos da vida,
Pois se não chega a morte ou coisa parecida
E nos arrasta moço, sem ter visto a vida.
Cecília Meireles

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"Se a sua mamãe morrer, você sentirá várias coisas. Primeiro sentirá que poderia ter feito mais para ajudá-la, mas isso não é verdade. Você fez tudo o que podia. Pode até parecer que não, mas lembre-se do que estou lhe falando. Você fez tudo o que podia. E irá doer toda vez que pensar nela, mas, com o passar do tempo, doerá cada vez menos. E um dia, você se lembrará dela e só doerá um pouco."
Grey's Anatomy. 6x21

Trechos de "Não hã silêncio que não termine"

"Eu não tinha vontade de chorar. Não era orgulho. Era só um desprezo necessário, para comprovar que a crueldade daqueles homens e o prazer que tiveram disso não haviam estragado minha natureza, porque não tinham atingido minha alma.
Sabia que, de certa forma, ganhara mais do que perdera. Não tinham conseguido me transformar num monstro sedento de vingança. Esperei que o mal físico se manifestasse no repouso e me preparei para o aparecimento dos tormentos do espírito. Mas já sabia que tinha a capacidade de me libertar do ódio e vi naquele exercício minha apreciável conquista."

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"Fechei os olhos antes que caísse a noite, mal respirando, na esperança de ver diminuir o sofrimento, a angústia, a solidão e o desespero. Durante as horas dessa noite sem sono e os dias que se seguiram, todo o meu ser iniciou o curioso caminho da hibernação da alma e do corpo, esperando a liberdade como se fosse a primavera.
O dia seguinte chegou, como todas as manhãs e todos os anos de toda a minha vida. Mas eu estava morta. Tentava povar as horas intermináveis, ocupando meu espírito com outra coisa que não eu mesma, mas o mundo não me interessava mais."

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"A cada aniversário, quando acordo, levo um susto ao tomar consciência da data, embora há semanas saiba que ela está chegando. Empreendi uma contagem regressiva consciente, com a intenção de marcar esse dia para nunca, nunca esquecê-lo, para descascar, remoer, ruminar cada hora, cada segundo da cadeia de instantes que culminaram com o horror prolongado de meu interminável cativeiro."

06 julho, 2011

Recife, 14 de outubro de 2007

Meu grande amor,
Como posso falar sobre um diamante que já tenho? Lindo, depois de você não há nada, você é único, é maravilhoso e sempre será meu grande amor!
Estamos juntos sempre... Não importa se moramos em casas diferentes, o nosso amor nunca terá um final e sim um espaço a mais nos nossos corações. É como eu sempre digo: o amor de uma mãe pelo filho e o amor de um filho pela mãe é totalmente imortal. O seu grande talento é em ser simpático e bastante carinhoso, de uma grande personalidade, sempre buscando seus sonhos dentro do seu espaço, sem atropelar ninguém. Você nunca perde por demonstrar carinho e atenção para as pessoas a quem ama. Continue assim meu filho, pois nossa tarefa é a de nos tornarmos livres ao expressar o amor e a amizade nas nossas experiências cotidianas com todos.
Qual será o grande sonho de uma mãe para seu filho? Que seja muito feliz e que Deus sempre esteja te guiando, iluminando todos seus passos em cima dos seus acertos e erros. Nunca se esqueça de que seu sorriso é importante, porque cativa e transmite confiança e alegria. Teu sorriso é fonte de amor, paz e compreensão e é a melhor expressão de toda sua vida.
Pois é lindo, aproveitando essa oportunidade e mais uma vez eu te digo: EU TE AMO. Aqui eu acrescento e confirmo o grande amor que sinto por você e que tenho muito orgulho em tê-lo como meu filho.
Contudo, celebro todos os dias e não somente hoje o prestígio de ter você no meu coração e também de celebrar o nosso maravilhoso amor, que Nossa Senhora de Fátima sempre nos ilumine e nos proteja.
Meu filho, você é e sempre será um dos melhores presentes que já ganhei e sempre será a melhor coisa que me aconteceu, obrigada filho por você "existir" e eu sempre poder te amar. Conte sempre comigo pois além de ser sua mãe sou e serei sempre a sua melhor amiga em todos os momentos da sua vida.
Milhões de beijos.

Fátima Barbosa.

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"You are my sweetest downfall
I loved you first
Beneath the sheets of paper lies my truth
I have to go
Your hair was long when we first met"
:~

30 maio, 2011

Trechos de "Mutações"

"Quando pequena, eu era fascinada pela lua.
Quando a lua estava nova e delgada, eu ia para junto da janela e me curvava três vezes diante dela. Assim, um desejo se tornava realidade. E, se tinha pesadelos, pedia a ela para ninguém que eu amasse me deixar."
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"Houve alguém que, certa vez, subiu um lance de escadas, carregando-me, e me depôs, cuidadosamente, numa cama, Minha cabeça repousava na curva de seu pescoço.
Deve ter sido papai.
Um homem caminhando comigo por uma estrada rural. Ele era alto e usava um casaco de couro marrom e nada dizia, mas, apertando nossas mãos, fazíamos sinais secretos um para o outro.
Deve ter sido papai também."
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"Apenas me deixou uma grande carência. Isso me marcou tanto que muitas das experiências de minha vida estão relacionadas ao fato. O vazio que ficou em mim, com a morte de papai, tornou-se uma espécie de buraco, dentro do qual experiências posteriores se acumularam."
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"Visitávamos o túmulo de papai todos os domingos.
Um dia enterrei todas as minhas bonecas em seu túmulo. Não queria que ele ficasse ali sozinho. Roubei flores de outros túmulos, para alegrar o de papai e das bonecas.
Todos os adultos ficaram zangados. E mamãe falou sobre a morte de tal maneira que ela se tornou, para mim, tão bonita quanto o amor.
Quis morrer logo."
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"Algumas vezes, Karen levava a mim e à minha irmã para passear, a pé. Tínhamos certeza de que fazia isso para pensarem que era nossa mãe. Eu sempre temia que ela conseguisse. Usava roupas bizarras, tinha um maxilar saliente e se movimentava de maneira desajeitada, de modo que eu sempre corria um pouco à frente ou atrás dela. Ninguém devia suspeitar de qualquer relacionamento entre nós.
Um dia, ela estava chorando na cozinha porque todos os seus dentes tinham sido arrancados. Demorou uma semana inteira para a dentadura ser colocada. De repente, ela parecia uma estranha, porque tinha um buraco esquesito no rosto onde era o lugar da boca. Evitei-a o mais que pude, e isso a fez chorar ainda mais. Com soluços altos.
Ela não sabia ler histórias direito, nem era de falar muito. Mas, quando fazia chocolate, nos fins de tardes, e se sentava conosco à mesa da cozinha e sorria, minha sensação de segurança era a maior que recordo ter quando criança, somente porque ela, também, fazia parte da família.
Só uma vez fomos a casa dela. Um pequeno quarto escuro, com um fogãozinho, pratos e objetos de toalete empilhados na única mesa. Jornais sobre as cadeiras, uma janela para uma parede branca, apenas alguns poucos metros de distância. Uma cama estreira - fiquei imaginando como o corpo gordo dela podia repousar ali.
Ofereceu-nos cafezinho e mamãe encarregou-se da conversa toda. Ela mostrou-se aliviada quando chegou a hora de irmos embora.
"Karen deve ter ficado feliz", disse mamãe.
Muitas vezes experimentamos as coisas de maneiras diferentes.
Ela morreu dormindo, uma noite, naquela cama estreira. Chorei muito mais do que quando mamãe me disse que papai morrera.
Minha consciência dói quando penso que talvez ela compreendesse por que eu sempre corria na sua frente, ou atrás, na rua."
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"E o amor.
Ansiava por experimentá-lo, tal como o via na tela: abraçar um homem com camisa branca e um sorriso brilhante, que me olhasse de cima, ternamente, e sussurrasse as mesmas palavras sussurradas pelo Herói à Heroína.
Escutar os violinos, quando ele me beijasse.
Ah, se eu pudesse crescer um pouco mais depressa. Eu lançava um olhar ansioso para meus seios inexistentes."
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"Os cantos escuros. O coração disparando. A forografia de papai debaixo de meu travesseiro. Um jarro d'água na mesa-de-cabeceira, para eu poder, continuamente, molhar os olhos, a fim de mantê-los abertos. O perigo de adormecer e ser atacada por alguma coisa escondida entre os terrores da noite.
Finalmente, a fuga para o banheiro. Um alívio quando a porta foi trancada. Um aposento onde eu podia ver plenamente todos os cantos. Uma coberta e livros, para minha segurança. Um sono exausto, no chão do banheiro, até a primeira pessoa voltar para casa e bater à porta e perguntar que doidice infantil era aquela."
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"Aceitei meu fracasso como compreensível e completo. Previ que passaria o resto de minha vida como uma "estranha". Mas, de preferência, atrás de uma porta fechada, para ninguém saber."
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"Recordo aquilo que penetrou mais fundo em mim - e a sensação de isolamento foi a experiência traumática.
Deitada na cama, à noite, ouvindo os adultos rirem e conversarem na sala de visitas, pensando: "Quando eu crescer farei parte desse mundo maravilhoso de idéias e de risos".
Mas cresci e, às vezes, ainda me sinto uma estranha, acreditanto que todos os demais fazem parte de um grupo"
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"Esqueço como são reais aquelas experiências de infância que os adultos chamam de fantasias.
Para a criança, não se trata de fantasia: o medo de ser abandonada, o Lobo Mau, a escuridão do armário - tudo é real. O rótulo que colocamos é falso.
O que é real, chamamos de fantasia - isto é a fantasia"
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"Pela primeira vez, tive consciência dela como um ser humano, com uma realidade além daquela de ser minha mãe. Senti falta dela, durante os seis meses em que ficou fora, e coloquei seu retrato debaixo de meu travesseiro, em vez do retrato de papai. Quando voltou, ela estava mais gorda e já não tinha um aspecto tão jovem. Dispunha de mais tempo do que antes. E eu tinha menos tempo para ela."
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"Não conversávamos muito porque ambos éramos tímidos - o silêncio fazia parte de nosso relacionamento. A vida pulsava em torno de nós de maneira diferente. Nosso "boa noite" junto ao portão era tremendamente importante. O mais próximo que chegamos do soar de sinos. Mamãe começou a ficar à janela, atrás das cortinas, quando me esperava chegar em casa. Tivemos de encontrar outros portões. Ele usava quase sempre botas de borracha e era muito mais alto do que eu. Um dia, ele me disse que estava tudo terminado. Não podia gastar toda sua juventude com uma virgem, declarou. Tinha lido em algum lugar que podia ser perigoso para um jovem em fase de crescimento não fazer sexo. Além disso, ia prestar os exames para a universidade. Como estudante, não podia andar por aí com uma garota de quinze anos. Esperava que eu compreendesse e não levasse para o lado pessoal."
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"Os livros sempre foram coisas vivas para mim. Alguns dos meus encontros com novos autores mudaram um pouco a minha vida. Quando eu estava perplexa, procurando inutilmente definir algo em mim mesma, surgia determinado livro e se aproximava de mim, como faria um amigo. Atrás da capa estavam as perguntas e as respostas que eu procurava."
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"Um jornalista, certa vez, perguntou-me como uma pessoa se sente ao receber tantos prêmios e honrarias.
"Infelizmente, é impossível conversar com eles", eu disse.
Ele riu e pensou que eu estava fazendo graça.
Não.
Aqui estou numa casa grande demais para mim e minha filha. Sinto-me triste, cansada, feliz. Mas não tenho com quem partilhar tudo isso.
Em minha cama, há uma menininha. Ela acorda, mas só pela metade, quando me deito a seu lado.
"Mamãe, minha boca está cheia de beijos." "
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"Ela teve uma vida cheia de segurança. Os irmãos eram unidos, e a casa estava sempre repleta de gente. Havia risos, música, amor.
Olhar as fotos de mamãe, quando ela era jovem, me entristece. Ela aparece linda, com os olhos cheios de felicidade e expectativa.
Por que a vida nunca é como a gente sonha e planeja?
Por que o tempo é tão implacável, roubando-nos as oportunidades, se não somos suficientemente rápidos para agarrá-las logo?
Por que assusta tanto chegar aos sessenta, quando um dia se teve dezesseis anos, e se acredita que o tempo era interminável? Como não descobrimos que o tempo se movimenta com crescente velocidade e destrói tudo o que pensávamos poder deixar para o futuro?
A felicidade de mamãe nessa foto parece muito com aquela que vejo na fotografia de crisma de minha irmã. Ela nunca saiu de Trondheim, onde vive com o marido e cinco crianças. Parece um pouco menos feliz nas fotografias recentes do que naquela em que estava toda vestida de branco, o livro de orações na mão, abraçando o mundo todo com seu sorriso.
Investimos tanto em nossos sonhos e esperanças.
Certa vez nós, quando crianças, fomos acordadas na manhã de nosso dia de crisma. O dia pelo qual esperamos tantos anos, o dia em que algo mudaria, a vida adulta deveria começar e, com ela, o direito de tomarmos nossas próprias decisões.
Numa foto emoldurada, posamos para a posteridade, ao lado de outras fotografias em que aparecemos bebês, aos cinco anos, colegiais, noivas.
Olhares perdidos no vazio, nós nunca mais existiremos.
Logo serei uma velha senhora de cabelos brancos, em cujo colo alguém deixa um bebê, dizendo:"Sorria, vovó". Eu, que fui fotografada, há tão pouco tempo, no colo de minha avó. Eu, que ontem colhia flores, não consigo imaginar tudo terminado amanhã."
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"Arranja quatro namorados e passa a viver de amor.
O dia intero, a noite inteira, com os quatro.
Uns gatarrões, com o pêlo desgrenhado, cicatrizes e ferimentos de brigas pelo corpo inteiro - gemendo e tremendo, a espalhar mau cheiro por nessa casa, noite e dia.
E Tasse entra e sai, sem rumo certo; Nunca se deixa apanhar, altaneira, como faz conosco. Finge não entender. Tortura e atormenta os parceiros. Não nos permite dormir de noite.
Claro que vai engravidar, se já não engravidou.
uatro gatos gemem e sofrem.
Não adianta.
Algumas são assim. Não tem jeito."
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"Vovó morou conosco, enquanto papai era vivo.
Uma velha que abria seu coração de menina comigo, porque sentia que éramos almas gêmeas.
Ela recriava o mundo, tornando-o um lugar maravilhoso, onde tudo podia acontecer. Onde uma árvore ou uma pedra eram mais do que víamos. Me mostrou como as veias, nas folhas, estavam vivas, e pulsavam. Foi a primeira a me dizer que as plantas choram quando são feridas.
Em nossos passeios, a natureza fazia parte do reino dos céus, e Deus ficava espiando atrás de sua cortina de nuvens, sol e estrelas.
Tudo o que crescia tinha sua beleza, uma vida própria. Nunca falamos de preservação do ambiente, mas vovó me ensinou que eu não tinha o direito de dominar a natureza, violentá-la, como se não fosse responsabilidade minha.
Um rosto de feições fortes e muitas rugas. Dois olhos nos quais o branco amarelara, mas em ambos o centro ainda era um maravilhoso azul-claro. O cheiro bom que eu sentia, ao repousar a cabeça em seu peito. O calor de seu abraço.
Só quando cresci me ocorreu que vovó era uma velha. Notei que as costas nas quais eu me pendurava estavam encurvadas, caídas. O cabelo de que ela se gabara - como os meninos gostavam de puxá-lo, quando era garota - tornara-se um fino rabicho branco, que ela retorcia para formar um pequeno coque, atrás da cabeça.
O melhor de tudo era passar a noite no quarto dela. A escrivaninha junto à janela. Ninguém possuía gavetas tão excitantes quanto as dela, cheia de cartas, caixas e jóias, todo tipo de coisas. Lembranças de uma longa vida.
Quando vovô morreu, eles estavam divorciados havia muitos anos. Todos diziam que ele a deixara porque ela era difícil e ruim. Isso eu nunca entendi. Costumávamos sentar sobre a coberta dourada de sua cama, com os olhos fixos no retrato de vovô, acima da estante, e lá ficávamos um longo tempo, antes de nos aproximarmos de uma foto de papai. Sua voz, quando me falava do tempo em que era a jovem esposa de um oficial e papai um garotinho - o mais maravilhoso do mundo. Vovô chegando em casa, à noite, em seu esplêndido uniforme, carregando um, depois o outro.
Nunca perguntei à vovó o que aconteceu; eu sabia que seus pensamentos não iam além dos anos felizes. Quase todo o tempo de minha convivência com vovó ela viveu num mudo de fantasia, mais real do que qualquer uma de suas lembranças desagradáveis. E, nesse mundo, nós duas vagávamos horas sem fim.
O ano em que eu tinha dezessete anos, minha melhor amiga estava com setenta e cinco."
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"É doloroso lembrar a última parte da vida de vovó. Um abrigo para idosos. Mobiliado com bom gosto. Todas as cores combinando, as funcionárias com aventais brancos e sorrisos pacientes. Entretanto, logo que a campainha tocava, para o café-da-manhã, o almoço ou a ceia, as cinquenta velhas senhoras imediatamente tinham de sair dos quartos e marchar para o refeitório. Sentar-se à mesa com pessoas cuja companhia não desejavam. Conversar sobre acontecimentos pelos quais não sentiam nenhum interesse. Ter amigas com quem só possuíam em comum a solidão e a espera.
O pânico, quando ela tinha de passar um dia acamada; três dias de cama representavam uma transferência para a ala da enfermaria. Havia uma longa lista de espera para os quartos de residência e raramente alguém voltava da enfermaria. Um dia, vovó também foi levada para lá.
"É muito melhor para os velhos ter supervisão constante, poder ficar com outros na mesma situação." Os parentes que só desejam o melhor para seus entes queridos e os enviam para uma instituição onde não se é mais "eu", e sim "nós".
Talvez "nós" tenhamos que ir para a cama cedo - isso se, naquele dia, "nós" conseguimos levantar. Algumas vezes, os banhos noturnos e os preparativos para a noite são às quatro da tarde. Um tanto cedo, talvez, mas há falta de funcionários - e de qualquer maneira, "nós" não temos tanta coisa assim para fazer quando estamos acordados.
Bater à porta não é mais necessário. Que tipo de segredos pode ter uma pessoa de idade? Alguém que só dispõe de um leito, a menos de um metro de distância do vizinho. Onde não há livros, nem móveis ou quadros. Segundo o regulamento. Mas, se a enfermeira é boazinha, "nós" podemos pendurar uma fotografia na parede. No entanto, é melhor não usar prego - deixam uma marca feia. Assim, "nós" podemos ficar deitados e olhar fotografias de família e amigos que têm tanto a fazer, em sua própria vida, a ponto de adiarem semanas a visita ao velho. Afinal, "nós" temos tanto conforto. Algumas vezes, parece que as visitas são um aborrecimento.
Eu me lembro de vovó me mostrando o lugar. Queria dizer-lhe que não devia se refugiar num estupor. Lembrar-lhe que eu a amava e queria partilhar experiências, como costumávamos fazer. Ela não devia sentir-se distanciada da vida, da qual fizera parte de maneira tão rica.
Segurei a mão de vovó, não sabia mais como falar-lhe. Só percebia que em breve ela iria para uma terra de sonhos.
A vida jamais se tornou o que ela desejava. E o fim era mais terrível do que qualquer outra coisa. Quando fui vê-la, perguntou quem eu era. Como se jamais tivéssemos nos abraçado quando eu era garotinha. Ela não sabia mais que, outrora, nós duas tínhamos partilhado os segredos mais maravilhosos.
Então, praticamente parei de ir visitá-la.
Vovó morreu e tudo mudou para sempre.
Talvez seja loucura nos prendermos a alguém que tem de partir muito antes."
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"Algumas vezes, quando ela pensava que todas nós dormíamos, eu a ouvia chorar, cobrindo a cabeça com o edredom. Ou se trancava no banheiro, o único lugar onde podia ficar sozinha. Olhando a porta fechada e ouvindo-a soluçar desesperadamente, lá dentro, desejei que o amor fosse sempre superficial e sem complicações para mim."
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"Não vejo nenhuma tristeza em seu olhar, diante da ideia de que terá de se separar de mim. É a questão da bagagem que a incomoda: que roupas e livros levar. Em seus olhos ausentes, tão impassíveis diante da perspectiva de deixar mamãe, antecipo o futuro... Talvez dentro de apenas uns poucos anos. E me sinto agradecida, porque tenho uma rápida previsão do que irei atravessar.
Uma separação na qual serei eu quem vai chorar. Enquanto sua mente, há muito, terá tomado um caminho pelo qual jamais poderei segui-la."
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"Na ocasião eu só tinha vovó. De manhã fui vê-la e desabafei. Solucei num peito que jamais abrigara o sonho agora esmagado dentro de mim. No curto espaço de tempo de uma noite, tudo o que era habitual e familiar fora arrancado de mim, e eu estava no meio de uma transição. Havia uma lição a ser tirada daquilo, algo difícil de compreender: que carregamos conosco nosso destino e que o destino de cada um não depende desse tipo de fracasso ou sucesso.
Tomar consciência disso é um longo processo, que inclui uma abertura ao sofrimento, encarando-o como parte da vida, do desenvolvimento, da mutação."
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"Não ser suficientemente capaz, suficientemente talentosa, era a grande dor. Meses que pareciam intermináveis, sem nenhuma meta ou significado. Dias sem estrutura. Longas noites cheias de pesadelos. Uma eternidade entre a hora de acordar de manhã e o sentimento de abandono, à noite."
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"Certa manhã sinto um bolo no estômago. O tipo de bolo que a gente tem quando está triste sem nenhuma razão especial. A pessoa sentada junto de mim sente a mesma coisa. Ficamos tentando descobrir a causa da repentina infelicidade. E então a tristeza desaparece, pois a partilhamos."
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"A voz de Linn ao telefone. Cheia de distância e reserva. Garanto que lhe amo.
"Pequenininha, você é mais importante para mim do que qualquer outra pessoa no mundo."
"Não é verdade"
A voz de uma criança fere fundo.
Vejo as babás e vizinhas segurando minha filha, fazendo o que meus braços e mãos deveriam fazer. Talvez ela tenha consciência da piedade que sentem, mesmo quando tentam ocultá-la.
Percebo que, para elas, minha profissão e sucesso equivalem a um fracasso, porque não estou preenchendo meu lugar em casa, e têm de me substituir. Compreendo os pensamentos críticos que adivinho nelas, porque sinto a mesma coisa.
Tenho medo de que minha solidão se transmita à minha filha. Para mim a solidão funciona. Mas talvez ela anseie por algum tipo de relacionamento que compense a minha ausência."
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"O homem com quem estive casada durante todos aqueles anos chama-se Jappe.
Existe muita coisa que lembro e reconheço, muitas teias na mesa, em algumas das quais eu de boa vontade me enredaria. Mas há também profundos abismos de estranheza.
Olho Jappe e sinto, agora, quanto gosto dele e como é bom saber que ele existe.
Um dia, ele vem com sua filhinha para meu chalé de verão. Ela tem dois anos. Eles passeiam juntos pelos rochedos, e eu fico à janela, olhando-os. Ninguém me observa e eu choro. Ele está segurando sua mão, apontando coisas, dando-lhe explicações. Ela é pequena e se sente segura ao lado dele. Seu sorriso é diferente de todos que eu vira.
Há muitos anos, quando decidimos nos divorciar, ficamos sentados, de mãos dadas, no escritório do conselheiro matrimonial. Ele perguntou por que queríamos nos separar, se éramos tão amigos.
"Exatamente por isso", respondemos, alegramente.
"Até logo, então", disse ele, e se afastou. Ele não se virou nem uma vez. Eu me virava o tempo todo, porque talvez... Era tão estranho vê-lo caminhar entre as outras pessoas. Nenhuma delas lhe prestava atenção. Só eu sabia quem ele era, e o que lhe acontecera.
Se pudesse correr atrás dele, eu o teria feito. Mas minha boca não conseguia falar; meus pés não eram capazes de caminhar naquela direção.
Ele foi um ser humano com o qual eu vivi durante um longo tempo, e no entando foi como se jamais tivéssemos tido tempo bastante para conhecer um ao outro.
Mais do que qualquer outra coisa, lamento pelo que nunca dissemos."
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"Nós, que o conhecemos naqueles dias, olhávamos para ele e, secretamente, imaginávamos como conseguia suportar aquilo. Jamais falava a respeito. Seus únicos pertences eram o conteúdo de duas malas e alguns cartões-postais, com reproduções de pinturas, pregados na parede de seu quarto de hotel."
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""O que te faz mais feliz?", pergunto ao homem que me interessa. A chuva jorra do céu cinzento e sombrio. Eu imaginara nós dois caminhando ao sol nus, bronzeados e lindos, descobrindo coisas novas a respeito um do outro.
"Minha felicidade?", ele replica, e afasta os olhos do que está lendo. Não sabe o que penso. Talvez tenha medo de não dizer o que espero ouvir.
"Minha felicidade, acho que é quando trabalho, com o suor no corpo, o dia inteiro, fazendo alguma coisa pesada e física. Quando preciso usar o corpo todo, quando fico exausto e meus membros doem - e quando, afinal, termino. E vou me sentar dentro de casa. Descanso, sabendo que concluí o que pretendia fazer. Relaxo, com a alegria de um trabalho bem-feito"
Ele não pergunta o que me deixa feliz. Mas no dia seguinte eu descubro. Tivemos um almoço suntuoso. Ele elogia a comida que faço e se serve várias vezes. E ficamos deitados na cama, perto um do outro. Cheios de ternura. Quando não temos mais medos nem perguntas que nos separam. Só um prazer terno com o corpo e as mãos e o rosto e as expressões um do outro. Estou junto dele, da única maneira como realmente vivo.
Quando acordo, ainda está claro lá fora, ele já se levantou e eu vou descalça até a sala de estar, ainda cálida e feliz por causa dele. Verifico, então, que ele acendeu a lareira. Na cozinha, descubro café que pôs na chapa quente para mim, com uma xícara ao lado.
Não tenho um fiapo de roupa no corpo, ao sair para o jardim.
Ainda está chovendo, e os dedos do pé escorregam na terra molhada e cheirosa. E então eu o vejo adiante, junto à garagem, cortando madeira, para que eu tenha bastante no inverno. Ele cortou um toro e comprou um machado para a casa. Não sei em que pensa, mas parece tão feliz, bronzeado e vivo. De repente, lembro que está no meio de sua felicidade.
Entro em casa de novo e sinto minha felicidade fluindo através de todo meu corpo."
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"Nada termina jamais. Onde quer que alguém plante raízes brotadas do seu eu mais puro ou verdadeiro, ali encontrará um lar.
Voltar não é revisitar algo que falhou. Posso percorrer as antigas trilhas sem amargura, porque outros pés agora têm prazer com elas."
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"Noites em que permanecíamos deitados, muito próximos, e ele sussurrava que eu ficasse calada, para, com o silêncio, ter saudade de mim e me pedir para lhe falar outra vez.
Nossa ilimitada necessidade mútua pelo que o outro deveria representar. A impotência quando alguma coisa não dava certo.
Entramos na vida um do outro muito cedo e tarde demais.
Eu procurava a segurança absoluta, proteção. Uma grande necessidade de pertencer a alguém.
Ele procurava a mãe. Braços que se abrissem, cálidos e sem complicações.
Talvez nosso amor se originasse na solidão que ambos conhecêramos antes.
Seu sonho era a mulher talhada numa só peça. Mas eu me fragmentava em pedaços disparatados, quando ele não tinha cuidado.
Depois cada um foi para seu lado, vimos claramente os erros cometidos.
Sua fome de união era insaciável. Aquela fome se tornou uma necessidade vital para mim.
De certa maneira, cada um de nós semeou uma revolução no outro. Nós nos abrimos mutuamente por completo. Não apenas de maneira física, sexualmente - mas como seres humanos relacionados de um modo secreto, foi assim que nos ligamos."
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"Há muitas fotos de Linn daquela época. Está gorducha e feliz; seus olhos parecem já ter avaliado tudo o que acontece em torno dela. Olhos cheio de humor.
Sei que jamais poderei reparar os erros que cometi. Nem todas as escolhas que fiz eram as mais vantajosas para ela. Em inúmeras ocasiões a deixei aos cuidados de outrem.
Fico imaginando o que ela pensava, o que esperava.
Hoje quero colocá-la em meu colo, e dizer-lhe o quanto a amo e sinto falta de seu calor, de seu cheiro e da sua confiança absoluta."
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"O medo diminuiu e a solidão ficou mais fácil de suportar, quando ela enxergou a insegurança dele.
Enchia-se de ternura e olhava para além de sua violência e injustiça.
Não estava mais cega para seus defeitos e fraquezas, como no começo. Mas sua compreensão e respeito por ele cresceram.
Descobriu, surpresa, que isso era amor.
Com tristeza, percebeu que logo terminaria, que ela fora até ele quando ele já estava seguindo para outra parte.
Olhou para a filha que tinham e percebeu que, em breve, teria a responsabilidade sozinha.
No último ano, ela lutou para preservar o relacionamento, mesmo sabendo que era inútil e que não fazia bem a nenhum dos dois.
E, quando tudo terminou, teve a esperança de que ele não ficasse sozinho.
Que uma nova mulher tomasse conta dele melhor do que ela.
Mas, naturalmente, demorou um pouco para alcançar esse ponto.
Tentou lembrar-se como ele era cinco anos antes.
Algo tinha sido esmagado, e algo tornara-se mais vivo. Passara por uma mutação.
E, quando a amargura, o ódio e o desespero tinham desaparecido, ela teve certeza de que experimentara o amor e se enriquecera.
Mas nunca conseguiria falar sobre aquilo.
Vira o interior de outra pessoa, e estava cheia de ternura pelo que descobrira.
Durante um período de tempo, eles tinham pegado nas mãos um do outro e permanecido dolorosamente unidos.
Mas, só quando tudo terminou, tornaram-se verdadeiros amigos."
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"Tudo o que me era familiar estava a muitos quilômetros de distância - pessoas, odores, sons, experiências. Aqui, na ilha, eu me encontrava mnum mundo estranho, com estranhas árvores e pedras.
Estava isolada de tudo o que antes era minha vida. E num processo de procurar uma nova vida, dentro de mim.
Mutação que só a solidão na ilha tornara possível.
Sempre seguira os outros, porque era insegura. Estava acostumada a me voltar para os demais, em busca de ajuda e compreensão.
Mas agora, quando sentia mais medo e solidão do que nunca, alcancei pela primeira vez um senso de segurança interior.
Vivi ali por um rápido período de minha vida e o que levei comigo não foram as pedras, as árvores nem a beleza.
Parti da ilha com a solidão na bagagem e a sensação de que algo dentro de mim mudara para sempre."
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"Meu contato com os outros ficou mais fácil. Conquistei respeito quando me tornei independente e parei de me agarrar em alguém. Não precisava mais depender tanto de outrem, para minha felicidade.
Minhas exigências e expectativas, com relação ao comportamento das demais pessoas, para me dar segurança, desapareceram. Não completamente. Não para sempre. Mas jamais voltei ao estado anterior.
A dor se transformou - por assim dizer - em felicidade.
Creio que algumas experiências são menos frequentes agora, mas vivo uma vida mais harmoniosa.
É como funciona para mim.
Acho que a felicidade absorvente - quando o mundo inteiro fica perfumado, o sol brilhae a pessoa chega quase à inconsciência, com a emoção -, se tornou menos frequente. Mas existe. Terei sempre consciência de que existe. Entretanto, não me preocupo com o fato de não fazer parte de minha vida diária.
Não acredito mais num constante estado de felicidade. Como se mede a felicidade?
Acho que é bom reconhecer o momento, como ele se apresenta, e aceitá-lo como uma dádiva."
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"Linn está numa grande discussão com Ingmar. Quer que ele passe pelo fio de telefone e venha visitá-la.
Às vezes, eu choro.

Linn aparece à porta, de repente:
"Por que você está chorando, mamãe?"
"Algumas vezes, eu me sinto um pouco solitária"
"Você tem a mim!"
"Mas os adultos precisam de outros adultos, também."
"Você tem o vovô e a tia Nan."
"De vez em quando, a gente quer uma pessoa que tome conta da gente."
Linn abre as cortinas e fecha a janela.
"Se você levantar agora, mamãe, talvez possa me dizer como os bebês são feitos.""
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"Uma vida secreta que ele carregava consigo, para não ser tão estrangeiro nessa terra. Ele me contou seu desejo: de que a vida fluísse livremente sobre ele, de modo que a felicidade, se viesse, pudesse encontrá-lo aberto para recebê-la."
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"Eu fiquei sentada, timidamente, a um canto, observando.
Bibi, que viera conosco, chamou: "Agora, você precisa dançar, Liv", e meu marido gritou: "Vamos, dance!".
Bebi várias doses de vodca, para ganhar coragem, com a palma das mãos suando de medo, sabendo que me esperavam na dança.
Saí da segurança do meu canto, deixei um dos dançarinos colocar um braço em torno de minha cintura e, no momento seguinte, a música nos arrastava. Durante um curto espaço de tempo, a sala inteira girou sem parar e eu dava risadinhas, sentindo-me flutuar.
Lá longe, ouvi meu marido, às gargalhadas, dizer a Bibi: "Olhe para Liv! Parece um elefante dançando a polca!".
A sala parou de girar. Vi todos os rostos voltarem-se para mim, gargalhando; e eu me desprendi com um arranco, corri para fora, pela noite adentro. Corri sem parar, até encontrar um prado onde pudesse deitar-me na grama, que era suficientemente alta para me esconder do resto do mundo. Lá fiquei deitada, e ninguém sentiu minha falta; ninguém veio procurar-me. Depois de várias horas, fui dormir em meu quarto.
Um elefante infeliz chorou até chegar o sono, com a sensação de que não tinha condições de continuar vivo

É bom esquecer o desejo de viver uma vida igual à dos outros. Conhecer-se melhor, compreender a razão das necessidades de cada um. Perceber mais claramente as motivações dos outros e reconhecer nelas meu próprio medo e insegurança."
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"Ele lhe diz que sua alma é formada por grandes planaltos e repentinos abismos escuros, para dentro dos quais não consegue olhar.
Jamais compreendeu o desejo dela de lhe expor a sua vida.
O único abismo do qual ela tem consciência, em sua alma, é aquele que guarda seu medo e sua solidão, sem ele. E ela chora, e deseja que ele caminhe pelos planaltos.
Ele tem um horário a cumprir, um sentimento de culpa que sente a necessidade de espicaçar, depois de viver com ela momentos felizes. Ele tem que voltar para casa, para sua mulher, seus filhos e o jantar, e talvez sinta com tudo isso um prazer maior, porque ela lhe proporcionou a paz necessária.
E a mulher dos grandes planaltos e abismos profundos compra um livro e vai para casa, para seu telefone.
A mão dele é a única coisa que ela desejaria segurar, e ela deseja que algo aconteça, possibilitanto-lhe encontrar uma nova mão, antes de se afogar.
Mas ela sabe, também, que no dia em que encontrar outro terá de matar nela a vida, beijar como se fosse pela primeira vez - para provar, através de seu pobre corpo fiel, que, tornando-se parte de outro homem, esqueceu seu amado.
E sabe que acordará, depois, muitas, muitas vezes, talvez a vida inteira, desejando-o ainda. Lamentando aquilo que constituía os dois.

Enquanto ela ainda o possui, eles partem para um país quente. Ela lhe segura a mão, enquanto ele lê, e se sente tranquila, porque tudo está como de costume. Consegue suportar saber que há longos períodos durante os quais ele não pensa nela. Mas também sabe que a mão presa à sua logo lhe dará um rápido aperto, para provar que ela existe, para ele.
Em certas ocasiões, ele se vira e olha para ela, com felicidade, e, algumas raras vezes, surge um mal-estar em seu olhar. Então, ela sabe que ele está pensando em sua mulher e seus filhos, e percebe, com gélida nitidez, que ele a ama, mas vai deixá-la.
Como se lesse seus pensamentos, ele fecha seu livro. "Não poderia jamais viver sem você", ele mente, ao sol.
Ela acredita nele, até ele dormir abraçado com ela.
Mas sabe que, quando acordar, o sentimento de culpa dele também irá despertar e sua necessidade de segurança e de ordem, sua lealdade para com aquilo que sente ser sua responsabilidade. Que deve à outra.
Querido."
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"Uma alegria de ser eu mesma, de maneira positiva ou negativa.
Não foi nenhum milagre que me transformou. Não vivi feliz para sempre, dali em diante. Muitas vezes, tinha medo.
Mas me enriqueci interiormente; era mais amiga de mim mesma.
Difícil era a luta contra tudo, em torno de mim; certos livros, programas de televisão, filmes, jornais - os meios de comunicação de massa gritando todos os dias suas falsas verdades sobre o que é uma pessoa feliz, prometendo coisas gigantescas, o triunfo.
E ali estava eu, com minha pequena e simples felicidade, satisfeita com o que eu tinha, até me dizerem que o amor, por exemplo, tão maravilhosamente cantado, descrito e pintado, era muito mais do que eu tinha."
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"A mulher tem as mesmas necessidades e desejos do homem.
Precisamos de amor e queremos dá-lo.
Se, pelo menos, todos aceitassem que não existe diferença entre nós, no tocante aos valores humanos. Não importa o sexo. Não importa a vida que escolhemos viver.
Tenho meu incômodo, minha menopausa; meu horror de seis murchos e minha consciência da menina que sou e que não aparece mais em meu rosto."
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""O que é a vida, mamãe?", pergunta Linn. "Apenas as pessoas?"
Ela olha para alguns pequenos insetos que rastejam pelo chão, perto de nossos pés.
Digo-lhe que, quando eu era criança, havia com certeza mais tipos de coisas que rastejavam, mas as pessoas destruíram suas possibilidades de vida, da mesma maneira que destruímos pássaros e plantas e animais. Criaturas que ela jamais verá. E nós, que nos lembramos deles, não viveremos o suficiente para conservar suas lembrança viva.
"O mundo das flores, das brincadeiras, dos sonhos e das crenças, que ainda é seu, Linn", eu digo, "Você partilha comigo, neste momento - o mundo que você esquecerá. Embora a vida, em si - que ninguém pode ensinar-lhe -, esteja vivendo em você, agora"
Linn vai crescer num mundo onde ninguém viu outra coisa senão mares e atmosfera empobrecidos. Onde as estrelas que eu vi, quando pequena, não poderão mais ser divisadas.
Ela, que pode ligar a televisão quando quer companhia, que vai empanturrar-se de datas e de gramática, e ficar cercada por informações indigestas da sociedade onde vive - ela que está tão viva e livre, agora -, aos poucos será triturada no moinho do qual só saem os adultos."
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"Estou sentada num sofá, num quarto de hotel, dizendo adeus a um homem com quem não posso mais viver. Choro, e ele também. Por um instante, levanto os olhos. Na parede, diante de nós, há um espelho. Ali ele se contempla, ajeitando o cabelo sobre a testa, enquanto faz ruídos de quem soluça."
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"Ela foi criada num país onde a luz era azulada.
Uma menininha - num dia de inverno - com roupas de lã protegendo-a do frio - curvando as costas para se defender do vento -, gelada, como se vivesse no meio de uma bola de neve.
Mais tarde, em sua vida, conservou dentro de si essa sensação.
E a beleza do outono.
Durante toda sua vida adulta, esta sempre foi a estação em que se sentiu mais à vontade; mesmo em criança gostava mais do outono.
Quando as folhas assumem o mais maravilhoso tom de dourado - como se Deus quisesse enfeitá-las pela última vez, antes de caírem e morrerem e serem varridas pelo vento."
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"Jamais vou esquecer a solidão que senti quando criança.
Durante certo período de minha vida, escondi-me atrás de uma máscara. Não queria reconhecer nenhuma aspiração.
Agora, isso já faz parte de mim - é algo que posso partilhar. Tanto a solidão como a aspiração."
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"Queria tanto a experiênccia - a capacidade - de segurar uma mão a vida toda. Sem nada pedir.
Mas sigo meu próprio caminho. Estou ali inteira. Como uma grande carga trancada de terror, como capítulos esquecidos que precisem ser lembrados, como o medo de estar sozinha.
Toda a insegurança que habita a pessoa chamada Liv"
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"Percebo que fui educada para ser uma pessoa que os outros queriam que eu fosse, a fim de poderem gostar de mim e não serem incomodados por minha presença.
Essa pessoa não era eu.
Quando comecei a ser eu, senti que tinha mais a oferecer. A vida era mais rica.
Estou tentando eliminar todo o sentimento de culpa provocado por coisas sem nenhum significado e que servem de obstáculo àquilo em que realmente acredito."
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"Nenhum relacionamento entre as pessoas é perfeito.
Não há violinos tocando, quando alguém que eu amo me beija. O "happy end" de Hollywood é um produto fabricado, que jamais encontra equivalente na vida real. Um mundo de sonho que é perigoso, porque incita as pessoas a procurar sempre novidades. Acreditando que, daquela vez, encontraram "a pessoa certa".
Não são perfeitos. Sua amizade não é uma amizade perfeita. Eles têm muitas feridas. Mas sobrevivem.
E se redescobriram, quando pensavam que tudo estava terminado."
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"Me lembro de Kristina e Karl Oskar em Os Emigrantes. Jamais falam um com o outro a respeito de sentimentos. E nem creio que pensassem muito a respeito disso. Mas, quando Kristina está morrendo, a milhares de milhas de distância de sua terra natal, Karl Oskar senta-se à beira de sua cama, segura sua mão e diz muito tranquilamente, com uma certeza plena: "Você e eu somos os melhores amigos".
Não poderia ser dito de maneira mais bonita."
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"Uma das moças vai a seu quarto pegar alguma coisa. Não volta. Nós a encontramos nua na cama, amordaçada e estuprada. Um homem estava no banheiro quando ela entrou, escondido atrás da cortina do chuveiro. Puxou-a - ele estava l;a - sem roupas, com um capuz negro sobre a cabeça e uma faca na palma da mão.
Ajudo-a a vestir seu suéter e as calças. Os policiais estão à espera no correto. Ela vai ser interrogada e levada para o hospital, a fim de se submeter a exames.
Ela não está chorando. Mas não vou esquecer seus olhos - falam uma linguagem que não reconheço."
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"Viver em tal estado de incerteza é doloroso e difícil. Porém, tornou-se mais fácil agora que eu aceito isso como parte da vida. Viver com isso, e não a despeito disso."
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~continua~