21 dezembro, 2011

Sentimento, por Ivana Debértolis

penso em parar por aqui. honestamente penso em deixar de querer e para sempre não desejar mais. imagino possibilidades e faço planos para o meu nada. é mesmo tudo mentira e em algum momento eu terei mesmo que pensar em terminar, e se fosse agora não me desagradaria. eu falo de morte como falo de amor e de vida, são versões da mesma história, história que inventei e não deu certo, deixei de acreditar. eu tinha preparado tudo, estava tudo combinado, ajeitado da melhor forma para que fosse uma vida feliz, mas a deformidade foi maior e venceu. o estranho me envolveu e eu caí de cama. não quero, tenho preguiça de pensar que pode ser de novo novidade, não tenho o direito de me desapontar ainda mais. sou cruel com os outros, minto, traio, mas comigo mesma preciso ser leal; meu corpo está povoado por verdades sobre mim que não preciso e nem quero esconder. se eu pudesse fazer um pedido, eu pediria pra viver de ficção, fora isso não quero pedir nada e mesmo isso ninguém vai me dar. não quero mais o que tem em volta, quero fazer parte de uma notícia do passado e gostaria muito que me esquecessem. eu precisava tanto ir embora, queria alguém que me pegasse pela mão e mostrasse o caminho. o que eu quero é ter fim e isso é bem razoável, é um direito. o que me entristesse é que sei que sou obrigada a continuar, porque apesar de tudo existe o medo, o mesmo medo que me faz não querer mais estar e ser. é confuso. este meu desejo já me transformou em outra pessoa, mesmo que eu fique, e eu vou ficar, já não sou a mesma e nem sou feliz.

06 dezembro, 2011

Trechos de Ratos e Homens

"-A gente não vai jantá?
-Claro que vai, se ocê fô buscá uns galho seco de salgueiro. Tenho treis lata de fejão na minha troxa. Ocê arruma o fogo. Eu te dô um fósfro quando a madeira tivé pronta. Daí a gente isquenta o fejão e janta.
-Eu gosto de comê fejão com molho de tomate.
-Bom, a gente num tem molho de tomate nenhum.[...] Ocê sempre qué tudo que a gente num tem. Pelo amor de Deus, se eu tivesse sozinho, ia consegui vivê bem fácil. Ia arrumá um emprego e trabaiá, sem problema nenhum. Nenhuma confusão, e quando fosse fim do meis, eu ia podê pegá meus cinquenta pau e ir pra cidade e comprar tudo que eu queria, mas o que eu tenho? Eu tenho ocê! Ocê num consegue ficá em emprego nenhum, Só me faiz ficá andando de cima pra baixo sem pará. Ocê se mete em confusão, faiz umas coisas ruim e eu tenho que livra sua cara.
-George, eu só tava brincando. Num quero molho de tomate nenhum. Se tivesse um pote bem aqui do meu laado, eu ia dexá tudo pr'ocê.
-Quando eu fico pensando em tudo de bom que eu ia podê fazê se num tivesse ocê cumigo, eu fico loco. Nunca tenho paz.
-George, ocê qué que eu vô imbora e deixo ocê em paz? Eu ia. Eu ia achá uma coisa. Se ocê num qué sabê de mim, posso ir pras montanha ali. Pr'algum lugá onde desse pra achá uma caverna."

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"-Uns sujeito que nem a gente, que trabaia nas fazenda, é os sujeito mais sozinho do mundo. Essa gente num tem família. Essa gente num pertence a lugá nenhum. Eles vai até uma fazenda e trabaia pra ganhá um dinhero e daí vai pra cidade gastá o dinheiro, e logo já tá lá, arrastando o rabo em otra fazenda. Essa gente num tem nada que esperá do futuro. Com a gente, num é assim. A gente tem alguém com quem conversá, alguém que se importa co'a gente. A gente num precisa ficá sentado em bar nenhum gastando o nosso dinhero só porque não tem otro lugá pra ir. Se um desses sujeito vai pra cadeia, pode apodrecê lá que ninguém tá nem aí. Mas co'a gente é diferente.
Lennie interrompeu:
-Mas isso num vai acontecê co'a gente! E por quê? Porque... porque eu tenho ocê pra cuidá de mim, e ocê tem eu pra cuidá d'ocê, e é por isso - riu de tanta alegria - Agora pode continuá, George.
-Ocê já decorô. Pode continuá sozinho.
-Nada disso, ocê é que sabe contá. Eu isqueço umas coisa. Conta como é que vai sê.
-Tudo bem. Um dia desse... a gente vai juntá um dinheiro e vai comprá uma casinha e uns alquere de terra e uma vaca e uns porco e...
-E vai vivê da terra! - Lennie exclamou. - E vai tê coelho. Vai, George! Conta do que a gente vai tê no jardim e dos coelho nas gaiola e da chuva no inverno e do fogão, e da nata do leite que é tão grossa que a gente nem consegue cortá. Conta essas coisa, George."

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