29 outubro, 2010

Encontros

Uns dias atrás conheci uma senhora, ela não me informou seu nome, mas eu não me importo com isso, ela me contou o suficiente para ganhar minha admiração. No dia que eu a conheci, eu chorava, não me recordo o motivo, mas me lembro perfeitamente do olhar dela, olhos escuros, brilhantes, me trasmitiam a paz necessária para aquele momento. Eu não sabia muito bem o que falar, nunca fui muito bom com palavras faladas, ela me olhava de uma forma diferente, me encarava, me observava e me admirava. Teve algo em nosso primeiro encontro que fez com que sentissemos necesidade de nos encontrarmos mais vezes, diariamente, a cada dia nossa relação ia ficando mais intensa, ela sempre me olhava com aqueles grandes olhos que me transmitiam tamanha segurança, eu não me atrevia a falar nada, me arrepiava só de pensar que aquela paz poderia ir embora ao pronunciar qualquer coisa.
Teve uma vez que eu estava deitado, na casa dela e sem perceber adormeci, sonhei que ela me deixava, em meu sonho um homem alto, forte, com uma expressão desumana no rosto se aproximava dela, ela falava com ele normalmente, como se o conhecesse muito bem, como se tivesse um grande carinho por ele, o cumprimentou e o olhou com aqueles olhos tão brilhantes... Não percebeu quando o homem sacou uma pistola 380 da calça e direcionou a monstruosidade metálica para o corpo dela, disparou diversas vezes, continuou encarando os olhos, que iam perdendo o brilho, que derramavam lágrimas, que pediam piedade, que suplicavam compaixão, lentamente o corpo daquela senhora foi se estendendo ao chão e o homem se foi, a deixando estirada no chão, com sangue ao redor, ela no sonho tinha o olhar fixo e a visão que eu tinha era a que ela mantinha o olhar em mim, sem o brilho de sempre, sua boca estava paralizada, mas eu conseguia ouvir sua voz, então percebi que estava acordado, que ela chamava por mim, que estava ao meu lado e que não me deixaria, como instinto, me pronunciei:
-Eu te amo, mamãe.
Com meus pequenos braços, a aguarrei pelo pescoço e não soltei até conseguir adormecer novamente, sentindo a respiração dela, com as mãos dela massageando meu cabelo e com aqueles olhos me admirando.

07 outubro, 2010

"Obrigada por serem meus filhos"



Meus filhos,

Cada ano que passa admiro mais vocês: por suas posturas, por causa dos belos homens que estão se tornando, por tudo que vocês são, principalmente ouvintes, amigos e companheiros. Tenham a plena certeza de que vocês são muito amados e principalmente respeitados. Se tristezas acontecerem no decorrer de seus caminhos, continuem o grande desafio que é viver! Eu amo vocês, obrigada por existirem na minha vida!

Fátima Barbosa.


É com tais palavras amorosas que me contento. Não tenho mais direito a abraços, beijos, cheiros, gargalhadas, mãos dadas e muito menos o direito de te olhar nos olhos. Direitos foram tomados de mim, tomados na hora errada, na hora que mais precisava de todo seu apoio. Quanta falta de elegância daquele homem de coração tão amargo. Já se passaram várias semanas, mas ainda me pego sorrindo ao olhar teu sorriso estampado na foto, nem percebo as lágrimas que de tanto pedirem, permiti que entrassem em minha rotina. Foram dias difíceis, para ser sincero, ainda são bastante complicados de superar, é fácil de se falar no decorrer do dia, mas não há nada mais barulhento que os meus pensamentos no silêncio do quarto onde tento adormecer, não há nada mais doloroso que não ouvir resposta ao sussurrar para sua imagem que eu te amo, não há nada mais enlouquecedor que a ideia de perder quem me fez ser quem eu sou, ter que fazer dessa ideia uma realidade é indescritível, é algo que ainda não aprendi a verbalizar.
Eu me recordo com clareza aquele tempo em que madrugávamos no quarto, vendo aqueles filmes de drama que tanto gostavas, dos almoços de domingo em que se tinha aquele macarrão com um molho que só você sabia fazer, de quando morava com meu pai e passavas lá apenas para me dar um abraço, de como eu passava a mão por seu cabelo enquanto você dirigia. Eu escrevo aqui para tentar exorcizar toda essa dor que tenho carregado, as vezes me pergunto como estarei daqui a um ano, penso em 2011, estarei em uma faculdade, mas ao pensar nisso, penso que você não vai estar lá para comemorar comigo essa vitória, mas você me dizia que iríamos comemorar juntos, cadê você? Você me disse que estaria lá, você... É lógico que você estará lá, estará em meus pensamentos, mas, poxa, isso não é suficiente, nunca será.
Uma coisa que sempre achei bem ridícula sobre pessoas que perderam pessoas queridas é que sempre ao falar sobre a pessoa falecida, enfatizam as qualidades e apagam os defeitos, eu nunca compreendi direito, mas agora eu acho que entendo, ao pensar na minha mãe, não me vem a cabeça nada de ruim sobre ela, até os defeitos se tornam qualidades, pois sinto falta dela por inteira, até as brigas, os gritos, as palavras que não deviam ser ditas fazem falta. Nem adianta falar sobre arrependimentos, são incontáveis, mas o que me conforta e que tenho conhecimento que caso tivesse feito o que queria ter feito, ainda existiria outras coisas que desejaria ter feito.
Levei pouco mais de um mês para criar coragem de escrever sobre isso de uma forma mais racional, mas isso não mudou nada, eu continuo aqui, sentindo esse vazio e essa dor já virou amiga de tanta intimidade já existente, eu li este texto várias vezes pensando em como terminá-lo, mas acho que a forma mais sincera e crua de terminar isso é dizendo tudo que digo toda noite enquanto meus pensamentos não me deixam repousar: Eu te amo, eu preciso de você, volta, eu te amo, eu te amo, muito, muito...

Carta



A tragédia bateu à porta de Paulo Sousa Costa, conhecido produtor de espectáculos e namorado de Carla Matadinho. O seu filho Paulo, de 7 anos, mais conhecido entre os amigos pelo nome de Paulinho, faleceu subitamente, vítima de uma leucemia rara. Uma semana depois, no passado dia 28 de Setembro, dia em que o seu filho faria anos, este pai destroçado, escreveu uma carta ao seu filho.

A seguir, leia a carta na íntegra:

"A opção desistir de mim... e de ti!

Querido Dragãozinho Azul (mais à frente vais perceber porque te estou a chamar assim...), sim, estou a chorar a tua partida, mas repara que tenho feito tudo para enfrentar a maior perda da minha vida, com a força e a coragem que sempre te tentei passar! Sei que estarás muito orgulhoso dos teus papás pela forma como têm lutado, desde o primeiro segundo em que entraste no hospital...

Tudo o que fizemos até aqui foi decidido e feito em conjunto, pelo amor que temos por ti. A tua mamã e eu chorámos abraçados a tua notícia, entrámos de mãos dadas no crematório e foi agarradinhos um ao outro que te deixámos no mar. Ao som da tua música preferida "No One" da Alicia Keys, juntos tocámos nas tuas cinzas e nos despedimos de ti.

Gostava muito de te poder dizer que a dor tem sido amenizada com o passar dos dias, gostava de poder dizer que tenho tido mais força com o passar do tempo... mas estaria a mentir. E entre nós nunca houve mentiras, a nossa linda cumplicidade não permitia isso!

Vivo um segundo de cada vez sem saber como vou estar no segundo a seguir. A minha vida deixou de ter dias, passei a ter apenas um aglomerado de segundos sem nunca saber o que irá acontecer no segundo seguinte... Luto para manter a vontade de viver, na certeza que já não tenho prazer em viver!

Tenho-me lembrado muitas vezes da frase que tantas vezes te disse nas tuas corridas de karts "Desistir não é uma opção!". Quantas vezes te disse isso ao longo da vida, fosse a montar um lego, fosse a fazer os trabalhos de casa, fosse a trepar uma árvore mais alta? Nunca te deixei desistir, porque nunca fora uma opção de quem quer ser homem com H, como tu sempre quiseste ser!

Naquela cama do hospital, durante mais de 14 horas, pedi-te ao ouvido, milhares de vezes, para não desistires!!! Mas tu não conseguiste resistir.

Não querido, não estou por isso desiludido, porque sei que não desististe. Apenas estou revoltado porque não te foi dada hipótese para lutares mais!

Agora passo os dias a lutar também para não desistir e digo vezes sem conta "Desistir não é uma opção! Desistir não é uma opção!". Adorava conseguir acreditar nisto com a mesma intensidade de quando te o dizia...

Acho que a única forma que para já encontrei para não desistir foi tentar ultrapassar uma barreira por dia. Todos os dias tenho uma meta a cumprir. Hoje já consigo entrar no teu quartinho. Hoje já consigo olhar para as tuas fotos. Já tive forças para tirar a tua cadeirinha do carro...

A barreira que decidi ultrapassar no dia de hoje é ter tido a coragem de te escrever esta carta, no dia em que farias 7 anos!

Mas faltam-me muitas outras barreiras para as quais vou precisar da força que só tu tinhas o poder de me dar. Sei que sempre fui uma pessoa forte nas maiores adversidades, mas, querido, todo o homem tem o seu tendão de Aquiles. E eu, apesar de desde o primeiro momento em que tudo isto aconteceu andar a fazer de Super Homem, sinto, a cada dia que passa, que a tua ausência é a kriptonite que me retirou os meus "super poderes"!

Tenho a consciência que tenho sido um felizardo em termos de apoio. Não há um dia que não tenha dezenas de chamadas, mensagens e mesmo abordagens na rua de pessoas amigas ou desconhecidas que nos querem bem. Desde o primeiro dia recebemos centenas e centenas de mensagens!

Até o nosso Presidente Pinto da Costa nos enviou uma carta a dar-nos força, onde te chamou "Dragãozinho Paulo" (agora já percebeste porque comecei esta carta a chamar-te Dragãozinho Azul...). Já falámos por telefone e disse-lhe que foste cremado com o teu boneco com que dormias sempre, com o teu livro de histórias preferido e... com um cachecol do F. C. Porto!

A Carla, a nossa Carlinha não me tem largado um segundo! Nem a dormir me larga a mão. Gostava de lhe retribuir a força que me tem passado com pequenos gestos de carinho, mas neste momento apenas sinto um vazio dentro de mim e não consigo ser quem sempre fui. Resta-me a certeza de saber que ultrapassar esta fase sem ela seria, muito provavelmente, impossível! Espero que todos os homens que passem por isto tenham ao seu lado uma mulher como a Carla!

Tenho lido todas as centenas e centenas de mensagens que recebi, nelas tenho conseguido encontrar a energia para o segundo seguinte. É impressionante a quantidade de pais que já viveram este pesadelo. Andes por onde andares, sempre que encontrares uma criança, dá-lhe um beijinho e diz-lhes a todos que têm uns papás muito corajosos cá em baixo!

Todas as pessoas me têm dito, sem excepção, que foste para o Céu. Quero acreditar nisso mas o meu amor de pai ainda não me permite pensar/aceitar para onde foste, apenas consigo pensar/chorar onde não estás... ao meu lado! Todos me dizem que agora temos um anjinho no Céu a olhar por nós, mas eu preferia mil vezes o meu diabinho de caracóis na terra!

Recebi ainda mensagens a dizer que tenho sido uma inspiração para os pais deste país... fico lisonjeado, mas na verdade apenas quis ser uma inspiração para ti meu filho, em vida! Espero continuar a sê-lo! Sei que fui um privilegiado por ter tido o prazer de ter-te como filho. Espero que leves contigo a alegria de me teres tido como papá!

Paulinho, meu amor, não sei quando nem onde nos vamos voltar a encontrar, mas prometo que vou tentar continuar a colar os meus segundos, como se fossem os teus. Quero e vou continuar a sofrer-te para sempre, até porque, no dia que deixasse de o fazer estaria a esquecer-me de ti e isso é impossível! Mas espero que um dia possa voltar a encontrar a alegria de viver, que sempre nos caracterizou aos dois. No dia em que partiste não levaste apenas o teu sorriso... levaste o meu também!

Mas sinto que se desistir de mim, estarei a desistir de ti... E como sempre te disse, "Desistir não é uma opção!".

Amo-te MUITO!
Papá

Ps. Não fiques triste por não estares cá no dia de hoje. Vamos fazer na mesma um jantar de aniversário com todos os nossos amigos e, claro, com a tua mamã. Hoje e sempre vamos estar a pensar em ti!"