12 agosto, 2013

Renato Alt

Outono

Vou explicar de novo, talvez não me tenha feito entender. Quero você pra mim, mas isso não lhe dá o direito de agir como quiser. Lembre-se: sentimentos pedem correspondência, e se não nutridos, na melhor das hipóteses, morrem. Não se engane: quando ligo e você não atende, quando falo e você não ouve, quando olho e seu olhar desvia, algo acontece: não há pedido de desculpas, ainda mais quando repetido à exaustão, capaz de curar todas as feridas; se quer curar todas, aja como quem quer curar todas. Talvez eu veja agora o que já deveria ver desde o início: que nenhum amor deve ser maior que aquele por si mesmo, e que nisto nada há de narcisismo; apenas a constatação de que, em todas as instâncias, é apenas conosco que podemos ter a certeza de sempre estar, a todo dia, em todas as horas, e que da nossa companhia é impossível fugir; assim, da mesma forma, é impossível fugir das cobranças que nos fazemos. Talvez agora eu veja que o egoísmo não é somente introspecctivo, mas também se mostra quando o outro parece-nos mais importante do que aquilo que nos compõe. Talvez eu tenha visto que as noites de choro, o entorpecimento do vinho e os ouvidos amigos não são opção de destino para aquilo que pretendia lhe oferecer. Talvez eu tenha visto que a quero pra mim, mas não a qualquer preço. Coloco-me onde devia estar: como quem a vê, como quem a quer, mas como alguém que responde àquilo que recebe. Minha espera, agora, é em movimento.

-------------------------------------------


NEOQEAV

Foi o dia em que decidira distribuir seus amores: ao vento, ao sol, ao calor que lhe fazia escorrerem gotas apressadas pelos rosto, à poeira que lhe enchia os poros e à luz que lhe cegava enquanto percorria, em velocidade aturdida, os quilômetros vazios à sua frente, naquele deserto que consumia tantas almas esperançosas de vida melhor.

Pé pesado, prensado, pegajoso, penado: arruaceiro, cortando estradas e estacionamentos e restaurantes e pousadas e motéis de neón falhado, lagartos, placas, outdoors e pontos de interesse geológico, areia, cactos, fiapos de roupas e atrações que não viam atraídos.

Decidira distribuir seus amores a quem não os queria, a quem os percebia, a quem pouco se importava, a quem sequer sabia que existiam: era o dia em que se deixava ser, se deixava pra lá, era o que era, e pronto, e isso por si só se bastava.

Era o dia em que distribuía seus amores, para que - e em secreto confessava - talvez em troca recebesse algum: fosse das flores sob o sol, fosse do vento, fosse do calor que lhe fazia escorrer gotas pelo rosto, fosse da poeira, fosse do que fosse.

Era ele só, e só, ao que viesse.

---------------------------------------------------------